Sexta às 9. Suspensão do programa é “humilhação pública para a equipa”

Equipa do programa Sexta às 9 mostra “profunda indignação” com o facto de o programa ter sido suspenso sem que os jornalistas fossem avisados. Numa carta enviada à redação da estação pública a que o Nascer do Sol teve acesso relatam os problemas com que têm vivido nos últimos anos e as dúvidas para o futuro.

A equipa do programa Sexta às 9 reagiu “com profunda indignação” à decisão de a estação pública ter suspendido o programa já a partir da próxima sexta-feira, lê-se numa nota enviada pela equipa do programa de investigação à redação e à qual o Nascer do Sol teve acesso.

A indignação, lê-se, prende-se com o facto de não lhes ter sido “dirigida uma única palavra sobre este assunto”.

“É com profunda humilhação que vemos tudo isto acontecer, depois de meses de silêncio em relação à falta de recursos do programa; e quando temos em curso várias investigações relevantes que são do conhecimento da Direção de Informação e que só têm enquadramento no âmbito de um programa de investigação”, lê-se na nota onde os jornalistas acrescentam ainda que “é absolutamente incompreensível que a Direção de Informação anuncie que está a trabalhar num “renovado formato” do Sexta às 9 – sem nunca nos ter ouvido – e quando sabe que o programa é o único espaço de investigação, assim designado e com periodicidade semanal, da RTP”.

Assim, os jornalistas – Ana Raquel Leitão, Cláudia Viana, Helena Cruz Lopes, Inês Subtil e Luís Vigário – criticam a “falta de comunicação” com a equipa do Sexta às 9, a que se junta o “anúncio público feito à nossa revelia, de que este seria o último programa com a Sandra Felgueiras, traduz-se numa humilhação pública para a equipa”.

Os jornalistas garantem que pediram à Direção de Informação para serem ouvidos e dizem ter-lhes sido negada a presença numa reunião que decorreu no passado mês de outubro, “reiteradamente solicitada a partir de agosto”, onde só foi permitida a presença da coordenadora do programa, Sandra Felgueiras.

“Após esta recusa, foi-lhe prometida uma reunião com a equipa pelo diretor adjunto de informação, Carlos Daniel, mas tal nunca chegou a acontecer. Também o e-mail enviado ao Diretor de Informação e ao diretor adjunto, em agosto deste ano, pela coordenadora do programa, a expor todas as preocupações e necessidades do Sexta às 9, ficou até hoje sem qualquer resposta”, criticam ainda.

Assim, foi há duas semanas que Sandra Felgueiras informou a sua equipa “do limite a que chegou na RTP face à ausência reiterada de recursos humanos e materiais”, altura em que pediu “silêncio” à sua equipa sobre a sua possível saída “em nome da estabilidade da RTP, do Sexta às 9 e das investigações sensíveis em curso”. Foi também nesse dia que a jornalista da RTP comunicou a sua saída ao Diretor de Informação da estação pública, “garantindo disponibilidade para terminar a temporada, agendada para 17 de dezembro”. 

A equipa do Sexta às 9 decidiu então nunca falar do assunto em público e defende só o fazer agora “porque não pode consentir ser ultrapassada por uma nota”.

Destacando o “evidente abandono e o profundo alheamento” ao trabalho da equipa por parte da direção de Informação da RTP, os jornalistas dizem que “não é de hoje, nem de ontem, a evidente falta de recursos a que nós temos estado sujeitos”.

A situação, dizem, piorou em 2019 e acusam que “não mereceu nunca a atenção, o cuidado ou as ações necessárias para a sua resolução por parte da Direção de Informação da RTP”. 

E acrescentam: “Ainda assim, durante a fase mais dramática da pandemia, esta equipa fez tudo para não criar mais entropia. Trabalhou sem paragens. Apesar de todas as dificuldades”.

Mas passado esse período, a situação piorou “e tornou-se ainda mais insustentável com a saída do único sénior que acompanhava a Sandra Felgueiras há 7 anos, Luís Miguel Loureiro”.

E deixam várias questões no ar: “É evidente o desinvestimento no Sexta às 9. Com que objetivos? Com que estratégia? Falamos de um programa com elevado reconhecimento público, que pontua a atualidade jornalística nacional e que é semanalmente um dos três programas mais vistos da RTP”.

E o futuro? A equipa do programa questiona como ficam as investigações que já estavam em curso com esta suspensão do Sexta às 9. “Estamos a falar de reportagens que foram pensadas e que estão a ser preparadas, há várias semanas, para serem emitidas no âmbito de um programa de investigação”.

“O que prevê a Direção de Informação fazer às investigações, das quais já tem conhecimento, sobre matérias tão sensíveis como a atribuição de licenças para exploração mineira, fraudes no setor alimentar e na retirada de afegãos para Portugal, ou em casos de possível corrupção no setor energético?”, questionam os jornalistas. Perguntas para as quais não têm resposta.

E questionam o timing da decisão. “Falamos da interrupção daquele que será até sexta-feira o único programa de jornalismo de investigação com periodicidade na televisão em sinal aberto. O que ficará ou virá depois?”

Recorde-se que, quando anunciou a saída oficial de Sandra Felgueiras, a RTP anunciou um novo formato sem dar mais detalhes. “Que formato? Com quem?”, questiona a equipa na nota a que o Nascer do Sol teve acesso.

E vão mais longe. Lembrando que só nas sete temporadas do Sexta às 9 disponíveis na RTP Play, foram feitos 244 programas, os assinantes da carta dizem que “destes, perto de 150 foram realizados em profundo sufoco e no limite das capacidades de todos os elementos da equipa”.

E continuam: “Se os problemas de falta de recursos para o Sexta às 9 eram uma realidade repetidamente comunicada às Direções de Informação, a começar pela que foi encabeçada por Maria Flor Pedroso e Cândida Pinto, este novo formato vai implicar recursos que a atual Direção de Informação sempre afirmou serem impossíveis de angariar para o Sexta às 9?”

Questionam também se o novo formato vai ser um espaço de jornalismo de investigação e se vai continuar “a ter jornalistas em regime de “falsos recibos verdes” que não têm nem telemóvel da empresa para fazer contactos tantas vezes delicados?”.

Os jornalistas recordam que trabalham 12 a 16 horas por dia sem “uma remuneração digna para o esforço”. E criticam o facto de a direção de informação, no comunicado enviado às redações, falar de uma “história de jornalismo de investigação livre e independente que escrutina os poderes”, “quando ainda há poucas semanas a RTP negociou os termos da entrevista a Florêncio de Almeida no Bom Dia Portugal, depois deste ter recusado prestar declarações ao “Sexta às 9” no âmbito da investigação emitida três dias antes? Investigação jornalística essa que veio a dar origem a uma operação da Polícia Judiciária, no âmbito da qual Florêncio de Almeida, o filho e a mulher de João Rendeiro foram constituídos arguidos”, lê-se.

Por tudo isto, os jornalistas defendem que a Direção de Informação “não pode negar que sabia de todos estes problemas. Não soube por nós porque não quis, mas todas estas questões foram colocadas repetidamente pela coordenadora Sandra Felgueiras”. 

Defendem que “se o programa “Sexta às 9” ainda existe e continuou a existir nos últimos anos, foi apenas graças ao trabalho da sua equipa e coordenadora, Sandra Felgueiras”. E, por isso, mostram “indignação” e “profunda tristeza e mágoa” ao assistirem a este desfecho.