FC Porto. Milhões desviados para conta de amigo

O empresário Pedro Pinho, envolvido há meses na agressão a jornalista após um jogo do FC Porto, é o proprietário de uma conta bancária para onde foram desviadas verbas provenientes de compra e venda de jogadores do FC Porto, bem como de negócios de transmissões televisivas. 

Jorge Nuno Pinto da Costa  será o principal beneficiário de uma conta no Banco Carregosa para onde terão sido desviados parte dos 40 milhões de euros pertencentes a receitas da SAD (Sociedade Anónima Desportiva) do FC do Porto. Esta é a suspeita que está no centro da investigação da equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira e Paulo Silva, chefe de Divisão da Autoridade Tributária, soube o Nascer do SOL de uma fonte conhecedora do inquérito.

A conta está em nome de uma figura hoje muito próxima de Pinto da Costa, o empresário nortenho José Pedro Pinho, que em abril agrediu um repórter de imagem da TVI e que tem agenciado a venda de jogadores do FC Porto, surgindo neste contexto como um testa-de-ferro do presidente do clube. Com efeito, o dinheiro retirado dessa conta tem servido basicamente para suprir necessidades de Pinto da Costa, desde a oferta de carros a mulheres das suas relações até ao pagamento a uma bruxa de Matosinhos por vários tipos de feitiçarias e previsões, inclusive quanto a futuros resultados da equipa de futebol do FC Porto.

 Pinho começou por se relacionar com Alexandre Pinto da Costa, filho do líder portista, tendo ambos constituído a empresa Energy Soccer, dedicada à intermediação da compra e venda de passes de jogadores de futebol, entre os quais futebolistas do clube. Amigos desde a adolescência, até aí haviam sido inseparáveis, tendo mesmo vivido durante anos no luxuoso condomínio fechado na Maia.

 Mas Pinho foi-se insinuando junto do líder dos Dragões, que o começou a privilegiar em detrimento do filho. Em finais de 2016, os ciúmes rebentaram com a amizade entre os dois, tendo Alexandre cedido a sua quota ao outro e criado novas sociedades. Passam então a correr em pistas paralelas. Mas Pinho, através de empresas suas – como a Pesarp, a N1 e a PP Sports – consegue cada vez mais benesses de Pinto da Costa (que, por sua vez, tem desde há muito tempo uma relação conflitual com o filho).

 O volume de negócios que Pinho tem com o clube começou, entretanto, a causar mal-estar dentro da instituição. O empresário arranjou então um parceiro que, apesar de não atuar como intermediário real de jogadores, passou segundo os investigadores a utilizar a sua empresa para faturar os serviços prestados por Pedro Pinho. Trata-se de Bruno Macedo, que passa a faturar ao FC Porto através da sua empresa BM Consulting. Um dos negócios mais conhecidos desta dupla foi a transferência de Éder Militão para o Real Madrid por 50 milhões de euros.

Os investigadores da Operação Prolongamento suspeitam que Macedo tenha servido de plataforma de distribuição dos valores apurados nas transferências de atletas, aparentemente promovidos apenas pelo próprio. Comissões que beneficiariam Pinto da Costa, Pinho e outros elementos da SAD do FC Porto.

Pedro Pinho afasta-se após detenção de Rui Pinto

Grande parte do dinheiro depositado na conta do Banco Carregosa (em cujo capital Pinho teve uma participação de 5%), de que Pinto da Costa, segundo os investigadores, será o principal beneficiário é proveniente de negócios relacionados com a compra e venda de jogadores do FC Porto, que estão agora sob escrutínio das autoridades judiciais. Basicamente, são desviados para a conta valores que a SAD paga a mais em aquisições de futebolistas ou recebe a menos na venda de passes.

Depois da detenção na Hungria, em 2019, do hacker português Rui Pinto, que investigava e publicava no Football Leaks informação sobre os negócios do futebol, Pedro Pinho deixou de ser um nome seguro para aparecer à frente destas operações. Com efeito, Rui Pinto falou em Budapeste a um jornalista português sobre o protagonismo de Alexandre Pinto da Costa e de Pinho nestes negócios, o que fez com que o empresário nortenho ficasse na sombra e as intermediações de jogadores passassem a ser operadas por Jorge Mendes – o conhecido agente de alguns dos mais destacados futebolistas da atualidade, como Cristiano Ronaldo – e por Deco, o ex-jogador brasileiro que depois de abandonar os relvados se dedicou também à intermediação de jogadores.

 As escutas telefónicas feitas logo no início deste processo terão revelado, no entanto, que Pinho continuou a servir de ligação entre Pinto da Costa, Jorge Mendes e Deco nessas operações. 

O que ‘sobra’ em comissões não declaradas nos negócios intermediados por Jorge Mendes (cuja empresa, a Gestifute, retém 10% sobre o valor das transferências), é depositado na conta do Carregosa. Ora, os investigadores não veem razões para Pinho receber verbas tão avultadas. Um exemplo é a transferência de Fábio Silva, vendido ao Wolverhampton, em 2020, pelo valor oficial, declarado ao FC do Porto, de 30 milhões de euros, mas que na verdade ficou por 40 milhões, tendo Jorge Mendes retido 3 milhões (10%) e ficando 7 milhões na mão de Pinho. Mas este caso foi uma exceção. Na generalidade dos outros jogadores, como por exemplo Danilo Pereira, a comissão do empresário portista foi 5 por cento.

Mas as transferências não são feitas apenas a nível internacional: clubes como o Sporting Clube de Braga, o Vitória de Guimarães e o Tondela, que esta semana foram alvo de buscas, também entram no esquema.

Pagamentos a uma bruxa e a ‘Macaco’

A conta do Banco Carregosa – instituição financeira especializada em gestão de fortunas para clientes de elevado rendimento -– tem funcionado como um saco azul de Pinto da Costa, sendo o dinheiro levantado quase sempre em notas. Foi assim que foram pagos à bruxa de Matosinhos, ao fim de um ano, cerca de 600 mil euros. Mas também Fernando Madureira, líder da claque portista Super Dragões, recebeu desse modo dinheiro para efetuar a cobrança difícil de um empréstimo de 60 mil euros que Pinto da Conta havia concedido, e ainda 100 mil euros para terminar a construção de uma habitação.

 Mas há outra vertente na Operação Prolongamento. A equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira e pela Autoridade Tributária de Braga suspeita também que houve comissões relacionadas com a aquisição por parte da Altice (proprietária da operadora de comunicações Meo) dos direitos de transmissão televisiva de jogos de futebol do FC Porto, que terão lesado o clube em 20 milhões de euros.

Contratos aprendidos pela investigação revelam que Bruno Macedo, o intermediário do negócio com a Altice em 2015, terá recebido 10 milhões de euros, metade dos quais dividiu em partes iguais por Pinho e pelo filho de Pinto da Costa. Estaria acordado que o trio receberia mais uma tranche, o que totalizaria 20 milhões de euros, mas que – tendo entretanto rebentado o escândalo – acabou por não ser paga.

Apesar de ser uma altura em que o FC Porto se encontra ao abrigo das regras de fair play financeiro da UEFA (mecanismo que proíbe os clubes de gastarem mais do que as receitas que conseguem), a equipa de investigadores liderada por Rosário Teixeira e Paulo Silva suspeita que, apenas entre 2017 e 2021, as compras de passes de jogadores se traduziram num prejuízo para o clube no valor de 30 milhões, a que acrescem mais 10 milhões no negócio de aquisição pela Altice dos direitos de transmissão televisiva de jogos de futebol do FCP.

Além destes direitos relativos aos jogos no Dragão, a partir de 2018 e durante dez anos, também estava incluída no negócio a aquisição dos direitos de transmissão do Porto Canal, durante 12 épocas e meia a partir de 2016, bem como o privilégio de estampar o logótipo da empresa nas camisolas dos jogadores portistas. No total, a SAD do FC Porto tinha a receber 457,7 milhões de euros vindos da empresa de telecomunicações franco-israelita.

Caso relaciona-se com processo de Vieira 

O processo de averiguação judicial de que são alvos os meios portistas, entre outros, resulta da extração de uma certidão do caso Cartão Vermelho, que visa o ex-presidente do Benfica Luís Filipe Vieira e culminou há meses na sua detenção temporária.

Em comum, os dois casos têm o nome do advogado bracarense Bruno Macedo, com ligações tanto a Vieira como a Pinto da Costa. Tudo começou, aliás, com um processo da Inspeção Tributária de Braga relacionado com um pedido de reembolso da sociedade de Macedo em 2018.

Esta semana, entre segunda-feira e quinta-feira, os investigadores da Operação Prolongamento desdobraram-se em buscas por vários pontos do país. Entre os visados, estiveram Jorge Nuno Pinto da Costa e o filho Alexandre, Pedro Pinho, Bruno Macedo e Jorge Mendes. Todos os gabinetes dos administradores da SAD do Porto também foram passados a pente fino, entre eles os de Fernando Gomes e Adelino Caldeira. Entre o material apreendido nas buscas constam listas das despesas pagas via ‘saco azul’ a várias pessoas próximas de Pinto da Costa.

O MP considera que há fortes indícios dos crimes de burla, infidelidade, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.

O Nascer do Sol tentou obter uma declaração da SAD do FC Porto mas até ao fecho da edição não obteve qualquer resposta.