Não há duas sem três

Acho que Rio será o adversário mais difícil que António Costa poderia encontrar.

Há quinze dias, quando toda a gente dizia que a luta pela liderança do PSD em vésperas de eleições nacionais iria ser fatal para o partido, percebi subitamente que poderia acontecer o contrário.

Que, quem vencesse, ganharia uma embalagem para as legislativas que lhe daria uma situação de vantagem sobre António Costa.

Escrevi então: «Enquanto o PS vive monotonamente a sua circunstância, o PSD pode aproveitar a disputa interna para despertar e espevitar o partido – e projetar no país o seu líder.

Aquilo que hoje é visto no PSD como um grande problema poderá, se for bem explorado, funcionar até como uma vantagem».

Hoje, toda a gente diz isto; na altura, não ouvi ninguém dizê-lo.

Rui Rio , que comete muitos erros, teve uma decisão fundamental: não fazer campanha interna.

E recusar-se a ter um debate televisivo com Paulo Rangel.

Porque, esse sim, abriria feridas difíceis de sarar.

Todos nos lembramos do debate entre António Costa e António José Seguro, que foi muito mau para ambos.

Não tendo havido no PSD esse duelo, a campanha interna acabou por ser mais um aquecimento dos motores para as legislativas do que uma emulação.

Esta vitória de Rui Rio sobre Paulo Rangel foi o 2.º round de um combate que terá no dia 30 de janeiro o seu momento derradeiro.

O 1.º round foram as eleições para a CML, onde o candidato escolhido por Rio, Carlos Moedas, protagonizou uma enorme surpresa ao bater o presidente em exercício, Fernando Medina.

O 2.º round foram estas eleições no PSD, também de desfecho inesperado.

Note-se que Rio tinha contra ele toda a ‘elite’ social-democrata – desde Cavaco Silva a Passos Coelho, passando por Carlos Moedas, Luís Filipe Menezes, Aguiar-Branco, etc.

Militantes ilustres que sempre tinham estado ao seu lado, como Balsemão, Manuela Ferreira Leite ou Nuno Morais Sarmento, retiraram-lhe estrategicamente o apoio, assumindo uma posição neutral – que só podia ser entendida como o apoio ao adversário. 

Pode, pois, dizer-se que foi uma luta entre o povo e os barões.

E o povo ganhou.

Essa capacidade de falar diretamente com o povo, por cima dos aparelhos partidários e até da comunicação social, é uma qualidade relativamente rara; Cavaco também a tinha, mas não me lembro agora doutro. 

Sendo um homem terra-a-terra, pão, pão, queijo, queijo, Rui Rio fala uma linguagem que as pessoas entendem.

E os ‘defeitos’ que tinha como líder da oposição podem ser virtudes na chefia do Governo.

Temos tido um primeiro-ministro que geralmente diz o que é ‘conveniente’ e não aquilo que pensa; ora, Rui Rio é o oposto: diz quase sempre aquilo que pensa e não o que seria ‘conveniente’ dizer. 

E essa frontalidade, que é genuína e não fabricada, que faz parte do seu ADN, pode ser agora um poderoso trunfo. 

No discurso de vitória no sábado passado à noite, houve um momento soberbo: quando uma jornalista lhe perguntou o que faria se perdesse as legislativas.

Se, nesse caso, abandonaria o partido e a política.

Rio torceu-se um pouco, voltou a torcer-se, e acabou por dizer, como num desabafo: «Olhe, eu aprendi…! Eu sei o que querem que eu diga….». E levantando o braço direito e a voz, proclamou: «Eu vou ganhar!».

Mesmo quando diz o que seria suposto dizer, Rui Rio explica-se primeiro… 

Tenho escrito que Rio não deveria explicar-se tanto, porque os líderes não especulam nem se explicam – afirmam.

Mas se calhar é ele que tem razão e não eu.

Talvez essa necessidade de se explicar, essa ingenuidade que frequentemente revela, a forma quase inacreditável como às vezes se expõe e abre o jogo, seja o seu joker.

Porque leva as pessoas a acreditar no que diz. 

Acho que Rio será o adversário mais difícil que António Costa poderia encontrar.

Em teoria, o líder do PSD tinha duas estratégias possíveis: formar uma grande coligação de direita, integrando o CDS, a IL e o Chega, e promovendo a bipolarização; ou posicionar-se ao centro, batendo-se diretamente com o PS.

Rio optou por esta.

Que tem a vantagem óbvia de cada voto que conquistar nessa área valer dois – pois é um voto que rouba ao PS.

E, além de disso, tem uma mensagem muito simples para transmitir ao eleitorado: António Costa esteve no poder seis anos, teve a sua oportunidade, a sua estratégia esgotou-se, e agora é tempo de passar o testemunho. 

Só isto.

Em conclusão, depois da vitória de Moedas em Lisboa e desta vitória de Rui Rio nas eleições internas, para mim seria uma surpresa se ele perdesse as legislativas.

Rio não saiu desta disputa nada molestado nem pessoal nem politicamente, ganhou ânimo, adquiriu uma embalagem que lhe permitirá fazer uma boa campanha, e tem o partido bem desperto.

Em 30 de janeiro, Rui Rio tem boas hipóteses de ganhar o 3.º round e fechar este ciclo eleitoral com mais uma vitória imprevista.

 

P.S. – A aprovação a mata-cavalos da eutanásia, quando o Parlamento já sabia que ia ser dissolvido, foi um gesto muito feio. Uma alteração civilizacional não se faz à pressa e quase às escondidas. O Presidente, se não vetasse o diploma, tornar-se-ia cúmplice de um ato de lastimável oportunismo.