Índia. Governo de Modi cede perante a fúria dos agricultores

Os agricultores acampados às portas de Nova Deli começam a voltar a casa, vitoriosos. Mas não desarmam, temendo ser enganados pelo Governo.

Dezenas de milhares de agricultores indianos desmontaram as suas tendas montadas no meio das autoestradas, às portas de Nova Deli, onde passaram boa parte do último ano, protestando contra as reformas agrícolas que Governo nacionalista hindu de Narendra Modi planeava aplicar. No rescaldo daquilo que foi descrito como o maior protesto da história, os agricultores começarão regressar a casa após as celebrações, contentes e vitoriosos por terem conseguido que o Executivo desistisse de boa parte das suas propostas, anunciaram os sindicatos do setor, esta quinta-feira. 

“É uma grande vitória paras os agricultores. Obrigámos o Governo a ceder perante as nossas exigências”, regozijou-se Balbir Singh Rajewal, um dos líderes do movimento, à Associated Press. Salvaram os seus mercados subsidiados com preços mínimos tabelados – herança da “revolução verde”, nos anos 60, a que se atribui o fim das fomes cíclicas, passando a Índia a ter excedentes alimentares – e evitaram ter de negociar as suas colheitas no mercado aberto, algo que acusavam de favorecer grandes multinacionais, em detrimento dos pequenos produtores.

Os agricultores podem ter desmobilizado, mas continuam a desconfiar de Modi, que há anos anseia por aplicar reformas agrícolas do género. Até ao ano passado, o seu Governo não se atrevera a antagonizar um setor que emprega mais de metade dos 1,4 mil milhões de indianos – os críticos de Modi acusam-no de tentar aproveitar o caos da pandemia para aprovar as suas reformas pela calada.

Não funcionou, planeando agora os sindicatos do setor reunir para analisar os passos do Governo indiano no início de janeiro, de maneira a garantir que cumpre com o prometido. “Suspendemos o nosso protesto, não terminámos”, salientou Gurnam Singh Chandoni, outro líder dos agricultores, à AP.

No entanto, há grandes dúvidas de que Modi tão cedo tenha estômago para avançar de novo. Pelo menos antes das eleições estaduais do próximo ano, em que o seu partido, o Partido do Povo Indiano (BJP, em hindi), pretende reforçar o seu poder sobre Uttar Pradesh, Utaracanda e Punjab, os estados nortenhos de onde vieram boa parte dos agricultores revoltosos. 

 

Sofrimento Além do fim das reformas, os agricultores conseguiram com que fossem retirassem as acusações judiciais contra os seus companheiros detidos. Os protestos, apesar de maioritariamente pacíficos, viraram frenesim em janeiro, quando agricultores avançaram Nova Deli a dentro, alguns deles a cavalo ou montados em tratores, tomando o histórico Forte Vermelho e sendo repelidos por cargas policiais, gás lacrimogéneo e canhões de água.

Mesmo quando estavam nos seus acampamentos, bloqueando autoestradas em protesto, as autoridades fizeram tudo para lhes tornar a vida um inferno. Colocaram vedações e arame farpado em seu redor, impedindo-os de sair e de entrar, cortando-lhes a eletricidade e o acesso a bens essenciais.

Mais de 500 manifestantes morreram durante os protestos, sobretudo vítimas do frio ou de suicídio, denunciaram os seus líderes. Os agricultores exigiram que as famílias recebessem uma compensação de 500 mil rupias (menos de seis mil euros) por cada vítima, mas até agora o Governo de Modi recusou.