Eduardo Cabrita não foi um mau ministro da Administração Interna. Pode até dizer-se que foi um bom ministro da Administração Interna.
As épocas dos fogos não lhe correram mal, a criminalidade manteve-se dentro de limites muito razoáveis.
Mas foi um ministro com azar.
Primeiro, aconteceu a morte do cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa, às mãos de agentes do SEF, na qual ele não teve responsabilidade nenhuma mas que manchou inapelavelmente o seu mandato.
Depois, foi o pitoresco caso das golas inflamáveis, seguido pelos festejos do título do Sporting, violando as normas impostas pela pandemia.
Finalmente, deu-se o atropelamento na autoestrada.
E aqui as coisas já foram diferentes.
Nunca defendi a demissão de um ministro, senão em circunstâncias-limite.
A demissão de um ministro não deve ser encarada como a primeira medida a tomar quando algo corre mal no seu Ministério ou com ele próprio – e às vezes só vai acrescentar um problema aos que já existem.
Por isso, ninguém me ouviu pedir a cabeça de Eduardo Cabrita depois da questão do aeroporto.
E percebi que António Costa não o ia demitir – pois, hábil como é, viu que lhe era útil ter uns ministros polémicos que lhe servissem de escudo; enquanto esses eram ‘sovados’ pelos comentadores, o primeiro-ministro era poupado.
De facto, Costa manteve Cabrita até ao fim.
E este aceitou ficar nesse papel ingrato de ‘saco de boxe’.
Deu-se, entretanto, o atropelamento na A6.
E aí assumi a mesma posição de sempre: não falei na demissão do ministro, esperei que a Justiça atuasse e chegasse a uma conclusão.
Estou, pois, perfeitamente à vontade para falar deste caso sem parti pris.
E o meu comentário é este: a partir do momento em que o acórdão do Ministério Público foi conhecido, acusando o motorista de ‘homicídio por negligência’, Eduardo Cabrita só fez disparates.
Alegou que era «um passageiro» – atirando implicitamente todas as responsabilidades para cima do condutor do carro.
Ora, logo aqui Eduardo Cabrita deveria assumido a atitude oposta.
Devia ter dito: «O motorista não tem responsabilidade nenhuma, pois ele estava sob as minhas ordens diretas; a responsabilidade, portanto, é só minha».
Teria sido esta a atitude digna.
Por outro lado, Cabrita deixou no ar a existência de responsabilidade por parte da vítima, lembrando que ia a atravessar indevidamente a autoestrada.
E isto também não deveria ter feito em caso algum.
Mas os erros não ficaram infelizmente por aqui.
Horas mais tarde, ao anunciar a demissão, o ministro afirmou que abandonava o Governo para evitar «um repugnante aproveitamento político de uma tragédia pessoal», não querendo criar problemas ao Executivo e ao próprio PS.
Ora, é evidente que a justificação da demissão não poderia ser essa.
Eduardo Cabrita deveria ter dito qualquer coisa do género: «Como ministro da Administração Interna, eu tinha a obrigação de ser o primeiro a dar o exemplo no cumprimento das regras do trânsito; ora, constatou-se que o meu carro circulava a uma velocidade excessiva, na faixa da esquerda, violando o código, e dessas infrações resultou a morte de um cidadão. Por isso, demito-me.»
A causa da demissão deveria ser sempre a morte do trabalhador, em consequência de uma conduta negligente – e não o interesse político do Partido Socialista.
Ao colocar os interesses eleitorais do PS à frente do cidadão morto, Eduardo Cabrita até ofendeu a sua memória.
Portanto, se Eduardo Cabrita fez globalmente um bom lugar, a forma como saiu foi desastrosa.
Não percebo que não se tenha aconselhado com alguém – pois qualquer pessoa de bom senso lhe teria dito o óbvio:
1. Não deixe o ónus da culpa com o motorista; você era o chefe e, portanto, o principal responsável;
2. Não apresente argumentos de oportunidade política para justificar a demissão; assuma com humildade as infrações das quais resultou uma morte.
Se Eduardo Cabrita tivesse feito isto, a maioria dos cidadãos tê-lo-ia respeitado no momento da despedida.
Tendo agido como agiu, não só proporcionou que lhe caíssem em cima por não ter saído há mais tempo, como criticaram a arrogância e azedume que mostrou ao sair.
Do que Eduardo Cabrita disse sobre o acidente, pode concluir-se:
– Que a vítima foi a principal culpada, pois ia a atravessar a autoestrada, o que era proibido;
– Que o motorista também teve culpa, pois era o responsável pela velocidade a que o veículo seguia;
– Que os adversários políticos se preparavam para fazer o aproveitamento político da tragédia, o que era «repugnante».
Em face disto, só Eduardo Cabrita esteve bem – e não teve qualquer responsabilidade no caso…
P.S. – Nem comento o inacreditável facto de o MP aceitar a versão de que o segurança da PSP seguia no carro do ministro, sendo ele o responsável pela velocidade a que o veículo circulava. Quem mentiu ao MP, para inocentar o ministro? Quem disse que no carro iam cinco pessoas, adulterando os factos?