Sei do que falo. Sou uma delas.

Sou mãe de um rapaz de 11 anos, que está na iminência de ser contemplado para a vacinação contra a Covid-19. Vivo, neste momento, o dilema que acredito que inquiete muitos outros pais: vacinar ou não vacinar?

Por Sofia Aureliano

Sou mãe de um rapaz de 11 anos, que está na iminência de ser contemplado para a vacinação contra a Covid-19. Vivo, neste momento, o dilema que acredito que inquiete muitos outros pais: vacinar ou não vacinar?

Encontro-me num conflito entre razão e emoção, situação para a qual pouco ou nada contribui ser-se mais ou menos esclarecido. Quando se trata dos nossos filhos, somos todos ignorantes.

A ignorância não é, contudo, fatídica. Nem tampouco pejorativa. É um estado de oportunidade, de potencial de conhecimento. Quer dizer que há caminho para fazer na direção da tomada da melhor decisão. Mas vamos a factos.

Racionalmente, o que é que sabemos?

Os pareceres técnicos que serviram de base à recomendação de vacinação, por parte da DGS, das crianças dos 5 aos 11 anos são já públicos. Tardaram (erro crasso!) a ser disponibilizados, mas estão agora acessíveis para consulta (aqui). Argumentam que o rácio entre benefício e risco favorece a vacinação, considerando que, durante a pandemia, houve três dezenas de casos de crianças que foram internadas em unidades de cuidados intensivos devido a infeção com Covid-19.

Sem mais dados, bastaria que houvesse apenas uma criança em perigo para que a vacina fizesse sentido. Mas há riscos associados. Reações adversas como miocardite e pericardite são avançadas como “raras”. Logo, existem. Segundo estima a Comissão Técnica de Vacinação, esperam-se sete ocorrências destas patologias associadas à vacinação, num período de quatro meses. Sublibe-se que a miocardite é uma inflamação cardíaca, muitas vezes responsável por casos de morte súbita, em adultos e crianças.

Atualmente, diz a DGS que 40% dos casos diagnosticados de Covid-19 em pessoas com menos de 18 anos estão na faixa etária dos 5 a 11 anos. Dito assim, parece muito, efetivamente. Contudo, o parecer esclarece que é de 0,2% o risco médio de hospitalização em crianças com estas idades. Residual. Porque também se sabe que a maioria  das hospitalizações ocorre com pessoas de faixas etárias muito mais elevadas.

Agora, vamos à emoção.

A maior parte do nosso cérebro não se move pela racionalidade e a dúvida que se instala é, muitas vezes, mecânica e inconsciente. As perguntas que faço (que não deverão ser muito diferentes das que outros pais farão) são difusas, provavelmente motivadas por falta de informação, mas ainda assim não deixam de ser legítimas.

Perante os baixos números de casos de hospitalização entre os 5 e os 11 anos, os benefícios da vacina atentam diretamente às crianças ou a outros públicos-alvo? Ou seja, estamos a agir com o propósito de defender, em primeiro lugar, a saúde dos mais novos (benefício individual) ou pretende-se, acima de tudo, evitar que estes sejam propagadores de vírus que afetem populações de risco superior (e aqui falamos de benfício social)?

Qualquer uma das hipóteses tem a sua validade. Mas o peso de cada uma nesta recomendação tem de ser assumido. Se o objetivo é reduzir a totalidade das infeções e a vacinação das crianças for um meio para atingir esse fim global, isso tem de ser dito. A decisão de vacinar ou não vacinar os mais novos tem de ser motivada pela verdade e consciente das consequências efetivas.

Se uma criança com 12 anos leva uma vacina com dosagem semelhante à dos adultos, porque é considerada segura e a melhor opção de prevenção, como se garante a eficácia de uma dose pediátrica, três vezes inferior, numa criança com diferença de meses? Aplica-se a máxima “mais vale alguma proteção do que nenhuma”? É pouco! Quando se fala de saúde – sobretudo na infância – toda a precisão é exígivel.

São muito poucos os países que optaram pela vacinação desta faixa etária. Portugal está entre os primeiros nove, ao lado dos Estados Unidos, Canadá, Israel, Áustria, Estónia, Grécia, Croácia e Espanha. Nenhum destes tem cobertura vacinal tão elevada como a nossa.

Falando de uma pandemia global, porque não protelar este (enorme) passo até ter mais evidência, e focarmo-nos apenas nos casos em que existe maior risco, como o das crianças imunodeprimidas ou com outras patologias associadas? Tal como estão a fazer a Finlândia, a França e a Holanda. Qual é a nossa pressa?

Talvez a ciência tenha resposta válida para todas estas questões. E acredito que, na posse da informação clara, os pais tomarão a decisão mais acertada. Seja ela qual for.

O que não se pode permitir – e já há uma eminente tentação de seguir por esse caminho fácil – é que se tratem os pais que têm dúvidas como negacionistas. Assumindo a tautologia, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Os negacionistas são pessoas que não aceitam como verdade factos que estão comprovados cientificamente. Neste momento, já há evidência suficiente para comprovar a eficácia das vacinas contra a Covid-19 na redução de casos de infeção, hospitalização e morte. Negá-la, é ser negacionista.

Já o que sustenta a dúvida dos pais é a ausência de prova de que uma vacina de dose pediátrica tenha apenas efeitos positivos (ou manifestamente benéficos em relação aos riscos que comporta) na prevenção de infeção grave ou morte, por exposição ao Sar-Cov-2. Porque, até ao momento, a grande maioria dos casos de Covid-19 em crianças é de infeção leve ou assintomática, desconhecendo-se riscos de sequelas associadas (uma verdade quer para adultos, quer para crianças, face à recência do vírus). E, perante este cenário, a emoção manda ter cautela. Talvez a razão também…

Este processo é um excelente case study para a task force de ciências comportamentais. Diria mesmo que é o grande desafio desta unidade especial criada em contexto de pandemia. Porque é exatamente de expedientes cognitivos que falamos e de como a emoção pode controlar o nosso comportamento e enviesar a tomada de decisão.

A aversão ao risco é uma moldura que condiciona a forma como vemos a realidade. Acrescida do fator parentalidade, um clássico na distorção de julgamento, estará ainda mais condicionada a tomada de decisão racional. E é importante, social e individualmente, que a razão prevaleça.

Esta imperfeição humana pode ser colmatada com a atuação experiente de arquitetos de escolha, que nos evidenciem o melhor caminho. Agora, não falo como acérrima defensora do nudging como ferramenta de atuação política. Falo como mãe com muítissimas dúvidas, que apreciaria o contributo da ciência para avaliar eficientemente os prós e os contras. No fim, tenho apenas uma certeza: com mais emoção ou mais razão, todos os pais querem o melhor para os seus filhos.