Candongueiros paralisaram Luanda

O Governo negociou com sindicalistas fantoche e usou a televisão pública para desmobilizar taxistas, denunciou Rafael Inácio, presidente da Associação de Taxistas de Angola, ao i.    

Luanda acordou com protestos, buzinões, vandalismo e fogo posto num Comité de Ação do MPLA. No bairro de Benfica, no sul, e em Cacuaco, do outro lado da cidade, ruas foram bloqueadas pela polícia, outras por pneus a arder ou veículos incendiados, numa aparente revolta dos “candongueiros”, os condutores de carrinhas de Toyota Hiace, azuis e brancas, que servem como uma espécie de autocarros semioficiais, conhecidos como táxis.

Os distúrbios foram uma surpresa. Os luandeses tinham-se ido deitar acreditando que chegariam sem problemas aos seus empregos, ouvindo na televisão pública que o Governo de João Lourenço chegara a um acordo com os sindicatos dos “candongueiros”, que o limite de 50% de lotação nos “hiasses” devido à pandemia fora levantado e a greve desconvocada.

Afinal não. Eram notícias falsas, uma manobra de desmobilização, as supostas negociações foram com sindicalistas fantoche, “elementos que não têm legitimidade de falar em nome da classe”, denunciou ao i Rafael Inácio, presidente da Associação de Taxistas de Angola (ATA), um dos três sindicatos que convocaram a greve dos “candongueiros”. Nenhum dos quais terá sido sequer sido chamado à mesa de negociações com o Governo.

“Isso deixou os taxistas ainda mais enfurecidos. Porque os taxistas conhecem os seus líderes”, reforçou este dirigente sindical, que ainda assim nega que “candongueiros” que representa tenham estado envolvidos nos distúrbios de segunda-feira. Mas assegura que não desistirão das suas reivindicações. 

“Já tínhamos anunciado uma paralisação, mantivemos a nossa paralisação. Este foi o primeiro dia, até que o Estado se pronuncie e possamos negociar, ponto a ponto”, diz Inácio. 

Cidade parada Com os 33 mil “candongueiros” em greve, Luanda é uma metrópole paralisada. A vasta maioria dos habitantes depende deles diariamente, face à escassez de transportes públicos. Um morador contou ao i que, durante a manhã de segunda-feira, viu-se obrigado a caminhar 50 minutos, do aeroporto de Luanda até à Vila Alice, sem nunca se cruzar com um “candongueiro”. E o centro da cidade estava quase deserto, com muita gente que ali costuma ir trabalhar sem maneira de se deslocar desde a periferia. 

A questão é que a capital angolana depende dos “candongueiros”, uma profissão normalmente exercida por jovens, mal-paga. 

“São um segmento económico importantíssimo para um país como o nosso, que sofre de problemas extremos em termos de oferta de transportes públicos”, explica o politólogo Olívio Kilumbo, ao i. “E as condições são péssimas. Tanto as estradas, como as paragens ou a não-profissionalização da profissão”. 

Já os sindicatos dos “candongueiros” acusam o Governo angolano de tentar ignorar seis dos sete pontos do caderno reivindicativo que apresentaram. E mesmo aquilo que anunciou aceitar, o fim da lotação máxima para “candongueiros”, quando essa restrição já não existia nos transportes públicos, na prática não estava a ser cumprido, relatou o presidente da ATA.

É algo que deixa os “candongueiros” ainda mais expostos aos pedidos de “gasosa” – como são alcunhados os típicos subornos exigidos por polícias angolanos, a troco de não arranjarem um pretexto para multar os taxistas – do que costume. 

“Isso deixou os taxistas com os nervos à flor da pele”, admite Rafael Inácio. “Os taxistas são alvos de constantes multas, num dia podiam apanhar duas ou três multas”, continua o dirigente sindical. “Daí que o nosso caderno reivindicativo também coloca essa questão, que são os excesso de zelo por parte dos agentes da autoridade. Que não respeitam os taxistas, não nos veem com olhos de ver”.

Não é espanta que a revolta tenha chegado onde chegou. Sobretudo numa altura em que boa parte dos angolanos tem dificuldade em sustentar-se, perante uma prolongada crise económica. 

“Há perca de controlo sobretudo quando se chega à exaustão, que é muito o nosso caso”, lamenta Kilumbo. “Infelizmente, apareceram aproveitadores que vandalizaram bens públicos. Mas é uma demonstração que não pode ser ignorada, porque mostra saturação”. 

MPLA sob pressão Em pleno ano eleitoral, o maior partido da oposição, a UNITA, rapidamente se tentou demarcar das imagens de destruição nos bairros de Benfica e Cacuaco – a ausência de presença policial pesada, helicópteros ou das cargas a cavalo habituais em manifestações de partidos da oposição é apontada como indício que estes não terão estado diretamente envolvidos. Já o partido governante, o MPLA, apressou-se a culpar os seus rivais por um “aproveitamento populista” das queixas dos “candongueiros”. 

“Num dia em que algumas associações ligadas a taxistas insistiram em fazer greve, supostos elementos, alguns dos quais – e há imagens de indivíduos com indumentária da UNITA – vieram vandalizar o comité do MPLA”, frisou Bento Bento, secretário provincial do MPLA em Luanda, perante as câmaras da Televisão Pública de Angola (TPA). 

Seja como for, vê-se uma insatisfação crescente em Angola – “independentemente da qualidade das sondagens, que exigem algum rigor técnico e científico, e não temos empresas em Angola que faça esse tipo de sondagens”, ressalva Kilumbo – e o Governo de João Lourenço está sob enorme pressão.

Se isso se transcreverá nas próximas eleições gerais, que deverão ocorrer por volta de agosto, é outra questão. “As eleições em Angola não são livres nem transparentes”, salienta o politólogo. “A observação eleitoral, a imprensa, as forças de segurança, estão completamente capturadas por quem governa. Desse ponto de vista, o MPLA ganha sempre”.