O futuro da Educação. Mais robôs e menos professores de carne e osso

A OCDE construiu quatro cenários possíveis para o futuro do ensino. E quer lançar o debate: “como será no meu sistema educativo?”. Ontem deu o pontapé de saída.   

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) publicou ontem a sexta edição do relatório Trends Shaping Education 2022 – que apresenta uma reflexão de como será o futuro da educação – começando por abordar o impacto da covid-19 no mundo, o vírus que ainda não parou de surpreender a humanidade. A publicação “destina-se a desafiar, inspirar e, acima de tudo, encorajar os leitores a perguntarem-se a si próprios: o que significam as tendências globais para o futuro do meu sistema educativo? E o que podemos nós fazer?”.

Os desafios “O futuro vai sempre surpreender-nos”, afirmou Andreas Schleicher, diretor para a Educação e Competências da OCDE num webinar que deu o pontapé de saída para a reflexão em torno do documento. “As alterações climáticas vão romper com as nossas vidas muito mais do que esta pandemia. Não sabemos o que vai acontecer amanhã, ou no dia depois, mas podemos sempre pensar nas tendências”, insistiu, deixando um alerta: apesar dos avanços das tecnologias e de uma economia mais forte, “nem todas as pessoas beneficiaram de forma igual” nestes últimos anos.

quatro cenários diferentes O relatório apresenta quatro cenários futurísticos da educação, que em alguns casos podem parecer saídos de um filme de ficção científica. Ao primeiro cenário chamaram Escola Prolongada (Schooling Extended) – baseia-se numa arquitetura de educação nas salas de aula, como acontece hoje em dia, mas com algumas particularidades como a ajuda de robôs. “As escolas passam a ter um corpo docente reduzido, mas distinto e bem treinado, que continua encarregue de conceber conteúdos e atividades de aprendizagem, que podem ser depois implementados e monitorizados por robôs educativos, juntamente com outros funcionários”, explica a OCDE. 
O segundo cenário apresentado, intitulado de “Educação Subcontratada” (Education Outsourced) – apresenta uma educação que não tem por base uma sala de aula tradicional.  Seria um misto de educação em casa, com recurso às novas tecnologias, mas com uma maior participação dos pais. Aqui, os alunos podem adaptar o seu ritmo de aprendizagem com outras atividades extracurriculares. De seguida, coloca-se um cenário de Centros de aprendizagem (Learning Hubs): o modelo de espinha dorsal da educação como a conhecemos hoje mantém-se, mas já não existem notas. A aprendizagem e a curiosidade passa a ser o foco. A ideia de professor tal como a conhecemos também muda, já que toda a comunidade acaba por ser um ator de docência, sejam pais, museus, ou empresas. Mas o professor ainda existe. “Os professores com forte conhecimento pedagógico e ligações próximas a múltiplas redes são cruciais”. 

Por último, o relatório da OCDE apresenta um quarto modelo – “Aprender à Medida que se Avança (Learn as You Go) – e talvez seja o mais futurístico dos quatro. Nesta realidade, que se baseia na evolução da inteligência artificial e de todas a tecnologias do digital, a educação é possível a qualquer hora e em qualquer lugar. Os professores iram desaparecer, dando lugar a mais palestras e outras formas de partilha de conhecimento, algumas até criadas por máquinas. Claro que com o desaparecimento da escolas física como a conhecemos, os Governos teriam de assegurar o acolhimento de algumas crianças: “Com base em sistemas de vigilância, infraestruturas interativas conectadas digitalmente, como parques infantis inteligentes, podem agora cuidar das crianças, propondo atividades de aprendizagem e fomentando comportamentos para a satisfação de determinados objetivos”, como por exemplo, estilos de vida saudáveis, refere o relatório.

Os desafios do crescimento económico Por que terá a escola de mudar? A OCDE salienta que o desenvolvimento da economia tirou milhões de pessoas da pobreza e elevou a qualidade de vida em todo o mundo, mas alerta que apesar o avanço, as desigualdades socioeconómicas ainda existem. “O PIB global per capita mais do que duplicou entre 1960 e 2019, e todos os países da OCDE viram o seu PIB per capita aumentar a longo prazo. As mesmas forças que geraram esse crescimento também ajudaram a reduzir a pobreza extrema nas últimas décadas através da criação de empregos, do aumento dos níveis salariais globais e da diminuição dos preços das mercadorias”, lê-se no relatório. 

“Embora o número absoluto de pessoas que vivem em extrema pobreza em 1820 (757 milhões) seja semelhante ao de 2018 (764 milhões), uma vez que o crescimento exponencial da população mundial foi tido em conta, a percentagem de pessoas que vivem em extrema pobreza nos últimos dois séculos diminuiu, de 76% para 10%”. Também o aumento da produção e do consumo de produtos e serviços – que requer mais energia e utilização insustentável dos recursos, tanto naturais como de origem humana – “estão a sobrecarregar o ambiente”. 

A educação  surge aqui, para a organização, como o elemento que pode contribuir “para equipar os indivíduos com as competências necessárias para participar na sociedade e na economia”, lê-se. A luta contra as alterações climáticas está a pôr o ser humano “novamente à prova” e muitos ainda se questionam se o “crescimento verde” pode realmente ser uma boa alternativa. A educação, defende o estudo, “permitirá que as pessoas desenvolvam ação e coação, assim como uma melhor apreciação das conexões entre o presente e o futuro”. 

Em 2018, lembra a OCDE, o petróleo representava cerca de 41% do consumo final total de energia, enquanto que o gás natural representava 16%. “A mudança para as energias renováveis não acompanhou o ritmo da crescente procura mundial de energia, impulsionada por uma crescente população mundial e padrões de consumo. Os combustíveis fósseis continuam a ser queimados a um ritmo insustentável, salientando a necessidade de acelerar o crescimento das energias renováveis e reduzir as emissões globais de CO2”, salienta. Ao promover o desenvolvimento de competências verdes, “a educação pode apoiar uma economia mais verde e mais inclusiva que trate dos impactos distributivos e das lacunas de competências”. 

Viver e Trabalhar A redução das horas de trabalho e dos dias de semana de trabalho é o segundo tema que o estudo abrange como motor de mudança. Vida pessoal e vida profissional são bem conciliadas? Trabalhamos muito ou trabalhamos pouco? Atualmente, um trabalhador a tempo inteiro nos países da OCDE gasta, em média, 63% (ou 15 horas) do dia em lazer e cuidados pessoais, incluindo alimentação e sono, segundo diz o relatório. “O aumento do tempo de folga começou a ganhar força nos anos entre guerras, e em 1993, a Diretiva da União Europeia sobre o tempo de trabalho estabeleceu um mínimo de 20 dias úteis de férias pagas nos países membros da UE”.

Uma melhor educação, defende a OCDE, “pode ajudar a criar comunidades onde todos os membros são atendidos, fornecendo apoio que pode não ser encontrado em nenhum outro lugar. Sistemas robustos de aprendizagem ao longo da vida podem construir a adaptabilidade e a resiliência necessárias para o futuro do trabalho”. 

Conhecimento é poder Em 2020, cerca de 80% dos indivíduos utilizavam a internet diariamente ou quase todos os dias, em média, em toda a OCDE. Portugal encontra-se ligeiramente abaixo da média – nos 70%. “Uma análise mais atenta da atividade digital mostra que, em 2005, apenas 40% dos utilizadores da internet a utilizavam para obter informações sobre bens e serviços. Em 2020, estes números tinham quase duplicado, até 75% dos utilizadores”, conclui. A conectividade “sem precedentes” estimulada pelas tecnologias digitais está “a redefinir as formas como o conhecimento é produzido e partilhado”, considera a OCDE. “Enquanto apenas uma pequena elite produziu enciclopédias tradicionais ou os meios de comunicação de massas do século XX (jornais, rádio e televisão), os meios de comunicação social e partes da internet de hoje em dia, como a Wikipedia, dependem das massas para gerar conteúdo. Por exemplo, o número de páginas em todos os wikis cresceu de cerca de 10 000 para mais de 250 milhões em 20 anos”. Nos dias atuais, uma educação de alta qualidade “significa fomentar uma forte literacia digital”, prossegue o relatório.

Inteligência artificial Segue-se o previsível aumento da Inteligência Artificial nas próximas décadas, com a OCDE a notar que a produção científica sobre a IA tem vindo a aumentar nos últimos 40 anos. “Desde a viragem do século, o crescimento explodiu: de menos de 100.000 publicações para mais de 550.000 entre 2000 e 2021, com os Estados Unidos, a União Europeia e a China a produzir mais de 70% das publicações”. Mas aquilo que pode dar “grandes oportunidades”, também pode gerar “questões existenciais”. Isto significa que, segundo a OCDE, cumprir a promessa da IA de aumentar as capacidades humanas, como a libertação do tempo dos professores para personalizar a educação, “exigirá abordar eficazmente os riscos”.  Se o uso da inteligência artificial assimilar a informação e for capaz de partilhá-la, podem surgir “questões maiores para a ação humana”, alerta. 

A natureza em mudança No último tópico de reflexão, o relatório mostra como o planeta Terra tem vindo a ser moldado pelo ser humano. Desde 1970, a pegada ecológica “tem excedido consistentemente a biocapacidade da Terra”, diz a OCDE. E em 2021, continuou a exceder “em mais de 70%”. Isso significa que, de um modo global, a população vive como se tivesse “1,7 planetas disponíveis em vez de apenas um”. As taxas de consumo variam por país: “os Estados Unidos da América consomem como se tivessem cinco Terras disponíveis, França três e Colômbia um pouco mais de uma. Em média, “os países da OCDE consomem o equivalente a mais de três planetas”.  O relatório da OCDE mostra, assim, como o comportamento do ser humano está a evoluir e como a educação se terá de adaptar a essa evolução, a fim de conseguir preparar as futuras gerações para os desafios que se avizinham. 

A medir o impacto da pandemia Por agora, as preocupações centram-se no impacto da pandemia na educação nos últimos anos e como se vai recuperar em escolas que ainda terão de regressar ao velho normal antes de seguir para o futuro. Segundo um estudo publicado ontem pela DECO Proteste, 58% dos encarregados de educação não acreditam que os filhos recuperem aprendizagens neste ano escolar e quase 90% dos encarregados de educação consideram que a pandemia teve impacto no desempenho escolar dos alunos. “Num país em que as escolas encerraram mais dias do que a média da OCDE, os alunos do 3.º ciclo foram precisamente os que ficaram mais tempo privados de aulas presenciais. À data deste estudo (novembro de 2021), mais de metade dos professores estavam ainda a compensar a matéria que ficou em atraso por consequência dos confinamentos”, lê-se no documento. 

No regresso às aulas, contudo, “87% dos alunos mostraram-se felizes pela retoma às rotinas diárias, adaptando-se muito bem às novas medidas de contenção da pandemia” e “nove em cada dez cumprem integralmente as regras de segurança dos estabelecimentos de ensino, como uso de máscara e distanciamento social”. 

A nova realidade, conclui o estudo, “faz com que 46% dos pais se sintam mais afastados das escolas devido à falta de atividades como apresentações e festas, e apenas 44% referiram existir melhorias na comunicação entre as famílias e os estabelecimentos de ensino”. Apesar das dificuldades, “52% dos encarregados de educação consideram que o sistema de ensino teve um bom desempenho ao longo da pandemia”. 

No que toca ao plano recuperação das aprendizagens, Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, explica ao i que “é preciso lembrar os pais e sossegá-los, porque o plano de recuperação é para este ano letivo e para o próximo”, ou seja, “não é um plano a curto prazo”, sublinha. É nisso que se focam as escolas. No que toca à comunidade escolar, todos irão “fazer o melhor” para conseguir assegurar as aprendizagens, garante. “Temos que dar tempo ao tempo”, continua. Filinto Lima “Não podemos ser precipitados, nem muito pessimistas ou muito otimistas”.