A surpresa de domingo

Costa é o favorito para domingo, mas muitos esperam uma surpresa.

1.Nestas eleições, António Costa quis copiar Cavaco Silva em 1987. Nessa altura, o então primeiro-ministro, após ter sido derrubado pelo Parlamento, recandidatou-se com um dos slogans mais eficazes de sempre: «Portugal não pode parar».

Cavaco queria transmitir a ideia de que, com ele, o país iniciara uma caminhada ascensional que não poderia ser interrompida. 

E o país correspondeu, dando-lhe uma maioria absoluta, não à tangente, mas com mais de 50% dos votos.
António Costa quis repetir a mesma receita.

Também ele fora derrubado pelo Parlamento a meio do mandato, também ele estava a recuperar de uma crise, também ele tinha de continuar a obra iniciada. 

Assim, criou o slogan «Continuar a avançar»; era o ‘Portugal não pode parar’, noutra versão.

E ousou pedir também a maioria absoluta.

Acontece que António Costa não é Cavaco, que o tempo é outro, que este Governo está há seis anos no poder e não apenas há um, e que dá sinais de esgotamento.

Assim, querendo imitar Cavaco Silva, Costa acabou antes por fazer lembrar José Sócrates, depois do chumbo do PEC 4.

2.António Costa apresentou-se a estas eleições de forma algo arrogante. 

E isso não se viu apenas no modo displicente como iniciou a pré-campanha; nem na afirmação de que se demitiria se perdesse; nem na exigência da maioria absoluta; nem na recusa de dialogar com a direita e com a esquerda. Viu-se também no facto de não apresentar nenhuma novidade, de não tentar insuflar no país uma nova esperança, de não fazer o mínimo esforço para mostrar qualquer coisa de diferente.

O exemplo máximo disso foi trazer para a campanha o Orçamento para 2022 chumbado dois meses antes pelo Parlamento!

3. Ao perceber que o remake de Cavaco falhara, e que a ideia da maioria absoluta estava a tirar-lhe votos em vez de lhos dar, António Costa alterou de um dia para o outro toda a estratégia.

Meteu a maioria absoluta no saco, disse que depois das eleições estava afinal aberto a falar com todos, desdisse tudo o que dissera antes.

Deu uma cambalhota monumental. 

Mas a pirueta foi demasiado óbvia, percebendo-se que a fazia por causa das sondagens.

Ora, um político que age ao sabor das sondagens, mostra falta de convicções.

Está pronto a dizer o que for preciso – desde que dê votos.

E isso não foi nada bom para ele.

4.Rui Rio foi, de certo modo, o oposto de António Costa.

Onde o outro mostrou arrogância, Rio mostrou humildade.

Onde o outro mostrou opacidade, Rio mostrou transparência – às vezes roçando a inocência.

Onde o outro mostrou desorientação, Rio mostrou ter um rumo e confiar nele.

Mesmo quando era pessoalmente atacado, Rio não respondeu no mesmo tom, comportando-se como um ‘cavalheiro’. 

 E no debate com António Costa superiorizou-se – o que, não sendo decisivo, deu-lhe mais confiança e galvanizou os apoiantes.

5.Mas, se António Costa desistiu da maioria absoluta, a verdade é que só esta lhe interessava – como escrevi há oito dias.

Ele não se vê mais quatro anos a negociar as leis uma a uma, a negociar anualmente cada orçamento, como aconteceu nos últimos dois anos.

Isto explica, aliás, muito do seu comportamento inicial: era a maioria absoluta ou nada.

Mas então por que não levou a ideia até ao fim? 

Porque… não quererá sair do Governo como um derrotado.

E porque o PS não quer perder – e ter-lhe-á exigido uma mudança de agulha.

Daí a cambalhota desesperada quando o fantasma da derrota lhe surgiu à frente.

6.O que se vai escolher no domingo é entre a continuidade e a mudança.

Costa assumiu-se ostensivamente como o rosto da continuidade, prometendo ‘mais do mesmo’ e agitando os perigos da mudança que Rio corporiza: «Quer acabar com o SNS tendencialmente gratuito», «não quer subir o salário mínimo», «não quer descer o IRS», «está refém do Chega».

Mas se fosse para deixar tudo como está, não seria preciso alternativa…
 
7. Com todos os seus erros, que foram muitos, António Costa ainda é o principal favorito para domingo.

Normalmente, quem está no Governo é quem ganha as eleições, a menos que se tenha demitido (como José Sócrates) ou tenha sido demitido pelo Presidente da República (como Pedro Santana Lopes).

Até Pedro Passos Coelho foi reeleito, apesar dos quatro anos de austeridade que ainda hoje são recordados pela esquerda como a própria representação do inferno.

Além disso, Portugal é um país envelhecido – e os mais velhos têm medo de arriscar. E o funcionalismo público tem muito peso, sendo que os funcionários públicos fogem como o diabo da cruz de tudo o que cheire a ‘liberal’.

Mas, sendo António Costa o favorito nestas eleições, ficarei surpreendido se… não houver uma surpresa. 

«Não há duas sem três» – escrevi há umas semanas, dizendo que depois da surpresa de Moedas em Lisboa, e da surpresa da vitória de Rio sobre Rangel, seria para mim uma surpresa não haver… uma terceira surpresa. 
Continuo a pensar exatamente o mesmo.

8.Uma última palavra para o Chega e a IL.

Eles mudaram a política portuguesa.

Antes de aparecerem, a esquerda era dominante, mostrava orgulho em se apresentar como tal – enquanto a direita se envergonhava de o ser. Ninguém surgia na TV a dizer abertamente: «Eu sou de direita».

Ora, hoje, há quase uma inversão. Os partidos da direita reivindicam essa condição, e a esquerda é olhada como a responsável pelo empobrecimento do país.

A direita mostra orgulho, a esquerda parece quase comprometida.

Até o CDS, que durante anos se disse de ‘centro’, aparece num cartaz a definir-se como «a direita que pode mesmo governar». 

Como Portugal mudou em pouco tempo!

E os responsáveis foram o Chega, primeiro, e a IL, depois.

Voltarei a este tema.