A vitória do poder absoluto

Vivem-se tempos de muita inquietação e incerteza, que vão exigir coragem, grande determinação política, sem cair na tentação do poder absoluto

Por José Manuel Neto Simões, Capitão-de-Fragata (Reformado)

A campanha eleitoral ficou marcada pela discussão enviesada e nem sempre esclarecida com muita propaganda e retórica com estereótipos sem conteúdo. Os debates estiveram demasiado centrados nas soluções de governabilidade. E não se vislumbrou pensamento e visão estratégica para o país.
António Costa manteve o tradicional discurso errático e com sofisma. Confirmou alguma arrogância na estratégia de vitimização e dramatização absurda entre a esquerda do progresso e a direita do ‘diabo’. Não foi feliz ao querer ‘deturpar e denegrir’ outros partidos fazendo demagogia e ajustando a semântica e a acrimónia para manter a bolha mediática. 
A vitória do Partido Socialista (PS) é inquestionável e será histórica, porque com mais esta ‘maioria reforçada’ podemos ir a caminho de um inverno democrático, tendo em conta o padrão de governação dos últimos anos e a pérfida experiência das anteriores maiorias absolutas. 
Há, no entanto, o risco do poder absoluto conseguir condicionar o desejável escrutínio do Parlamento, das instituições, das entidades reguladoras e da comunicação social. Por outro lado, a oposição terá de ser exigente, responsável, constante e implacável como não tem sido habitual perante os governos que nos têm desgovernado. O fim dos governos começa quando deixam de ouvir a crítica.

A legislatura termina em festa. Importa, porém, lembrar que foi caracterizada pela aversão ao diálogo e ao escrutínio, sendo de destacar a inépcia e soberba de vários governantes, que se refletiu na erosão da autoridade do Estado seja pela inação ou inaptidão na decisão. E também pela forma anacrónica como encarou o processo de degradação das forças de segurança e das forças armadas.
Neste contexto, os portugueses têm assistido incrédulos à subversão do poder com falta de transparência, desprestígio das instituições, à sobranceria e autoritarismo de alguma elite num exercício político degradado. Estes comportamentos tendem a agravar com maioria absoluta, que pode inebriar quem detiver cargos de poder. 

A crise política criada artificialmente para conseguir uma maioria absoluta foi bem-sucedida, levando os parceiros de esquerda a cair na armadilha do OE22. Alguns fatores foram determinantes para o grande sucesso do PS: a bipolarização partidária (fictícia), a tentativa de colar o maior partido da oposição à extrema-direita e as desastrosas sondagens que influenciaram o eleitorado, criando uma pressão no voto útil para a esquerda que se mobilizou. Mas a direita fragmentada não conseguiu explorar. 
António Costa na hora da sua brilhante vitória quis pacificar o eleitorado com referência à «maioria do diálogo». Só que não vai conseguir abrir portas sem maçanetas! E muito menos por se ter especializado a erguer, derrubar muros e destruir pontes. A capacidade de diálogo não se apregoa em autoelogio. Contudo, o líder do próximo governo devia saber ler a nova geometria do Parlamento na qual os portugueses confiam.
Vivem-se tempos de muita inquietação e incerteza, que vão exigir coragem, grande determinação política, sem cair na tentação do poder absoluto e consciência cívica no exercício de cidadania para lutar pelo grande desígnio nacional que é o futuro de Portugal.