A democracia a funcionar…

Com esta deliberação, o TC devolve a palavra aos emigrantes na Europa, repondo o respeito pelos portugueses, que vivem e trabalham fora do seu país

A decisão unânime do Tribunal Constitucional de mandar repetir os atos eleitorais no círculo da Europa é um atestado de irresponsabilidade que não se resgata com um simples pedido de desculpas de António Costa, em nome do Estado, passando uma esponja pelo comunicado inenarrável do Ministério da Administração Interna sobre os 157.205 mil votos considerados nulos (80,32% dos eleitores).

Entre a trapalhada, a incompetência e o ‘passa culpas’ do MAI – apesar de ter declarado que «não se exime nem se demite das suas responsabilidades» – a leviandade remete-nos para um terceiro-mundismo deplorável, ao nível de qualquer ‘república das bananas’. 

Mesmo sem esta questão esclarecida, e apesar de se saber dos recursos interpostos por vários partidos junto do TC (Chega, PAN, Livre e Volt), o Presidente da República achou que poderia antecipar-se ao veredicto dos juízes do Palácio Ratton, anunciando a posse do novo Governo para 23 de fevereiro. 

Ninguém percebeu a pressa e resultado está à vista. Agora terá de remarcar a cerimónia talvez para abril, justiicando a sua precipitação ao dizer que «é uma lição para os partidos». Sê-lo-á, mas deveria ter concluído, também, ser uma lição para si próprio, ao admitir que «é a democracia a funcionar». Como diz o povo, ‘cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém…’.

Com esta deliberação, o TC devolve a palavra aos emigrantes na Europa, repondo – e não é de somenos –, o respeito pelos portugueses, que vivem e trabalham fora do seu país, e que teimam em não perder os laços culturais, afetivos e cívicos que os ligam à terra onde nasceram. 

Se tivesse prevalecido a anulação dos seus votos, isso equivaleria a subestimar esses mesmos compatriotas, tratando-os com absoluta indiferença. O TC corrigiu um erro lamentável. 

Entretanto, o primeiro-ministro indigitado resolveu convocar para audições em São Bento todos os partidos com assento parlamentar, exceto o Chega, a terceira força política com representação parlamentar. 

António Costa achou natural aliar-se com a extrema-esquerda, estalinista e trotskista, em 2015, para viabilizar a ‘geringonça’ e salvar-se da derrota eleitoral, mas, em contrapartida excluiu agora da agenda a direita considerada mais radical. Ou seja, ignorou olimpicamente um partido aprovado em sede de Tribunal Constitucional e votado por quase 400 mil portugueses. 

Começa mal a segunda maioria absoluta socialista. E legítima o capital de queixa de André Ventura. 

Outro episódio estranho foi o comunicado das autoridades, a propósito da detenção de um jovem estudante, suspeito de estar a preparar um atentado na sua Faculdade, e expeditamente rotulado de ‘terrorista’, o que gerou uma imediata histeria mediática.

Em contrapartida, caiu um ruidoso e apático silêncio sobre mais uma diatribe de Mamadou Ba, o dirigente do SOS Racismo, na órbita do Bloco de Esquerda, que apelou nas redes sociais para «a luta» que «não será na AR, mas na rua», contra «11 suínos» e «20 assumidos camuflados fascistas-racistas-neoliberais» eleitos para o Parlamento. Uma charla perigosa.

No primeiro caso, trata-se de um novo estilo comunicacional, a pretexto do esclarecimento público, que teve, aliás, já antecedentes, quando a direção da PJ convocou uma conferência de imprensa para revelar a detenção de João Rendeiro, fugido à Justiça na África do Sul.

O ex-banqueiro foi exibido com total desprezo pela sua dignidade, que não se interrompe por ter sido condenado e estar em fuga.

Algo parecido aconteceu, agora, com o estudante, exposto sem reservas ao jornalismo tabloide e não tabloide.

Quanto a Mamadou Ba, e não obstante o anúncio feito pela ainda ministra Mariana Vieira da Silva, em julho de 2020, de que o governo tencionava monitorizar o «discurso do ódio» na internet, nada aconteceu e as suas arremetidas continuam impunes. 

O certo é que estes episódios tiveram o condão de relegar para um plano secundário a formação do próximo Governo, poupando António Costa à habitual curiosidade jornalística, ávida de conhecer a coreografia da ‘dança de cadeiras’.
O adiamento da posse do Executivo e da Assembleia da República, atrasa, inevitavelmente, o Orçamento de Estado, que, apesar de ser um remake do documento chumbado, dificilmente será aprovado antes do verão, forçando o país a continuar até lá em regime de duodécimos.

A paisagem social e económica é complexa e não faltam ao PS as culpas no cartório na crucificação da classe média.
Se o futuro Governo enveredar por reformas de fundo e António Costa não ‘desertar’ para Bruxelas (ou para outro sítio) não lhe faltarão os desafios urgentes, a menos que se entretenha a dar ‘tiros nos pés’.

Dos últimos 25 anos, o PS governou 18. Se quiser mudar a página e recuperar o país da anemia em que se encontra não faltará…