Onde pode chegar o Chega?

O partido de André Ventura está numa encruzilhada: ou cresce ou afunda-se

Por que razão Marcelo Rebelo de Sousa condecora os atletas portugueses que obtêm vitórias além-fronteiras, e a generalidade do país aplaude?

Por uma razão chamada ‘orgulho nacional’.

Que está na massa do sangue dos naturais de qualquer nação (veja-se o que está a acontecer na Ucrânia) 

Mas, sendo isto óbvio, que partido nos últimos 20 ou 30 anos falou do ‘orgulho nacional’ e o assumiu?

Apenas um – e mesmo assim recentemente.

Pior: forças políticas, como o BE, empenharam-se não só em demolir esse orgulho como em diabolizar a História de Portugal – apresentando os portugueses como um povo de salteadores que durante séculos saquearam territórios noutros continentes.

E ninguém contestou – até há pouco. 

Isto, entre outros fatores, ajuda a explicar o sucesso do Chega.

Nenhum povo gosta de ser amesquinhado.

 

Além disso, o Chega empenhou-se em exaltar valores como a família, a hierarquia, a autoridade e a ordem.

Dir-se-á que são valores ‘ultrapassados’. 

São-no, de facto, numa perspetiva de esquerda. 

A esquerda ataca o nacionalismo porque é ideologicamente internacionalista: «Proletários de todos os países, uni-vos!». 

A esquerda ataca a família porque quer ter os cidadãos dependentes do Estado – e a família constitui a primeira e mais importante rede de educação e assistência social. 

O Estado quer ter o exclusivo da assistência, como quer ter o exclusivo da educação; tudo o que seja libertar as pessoas da tutela do Estado é mal visto pela esquerda.

A esquerda não gosta da hierarquia, porque defende a igualdade – e a hierarquia é o contrário da igualdade. 

Nacionalismo, família, hierarquia são três ideias que a esquerda tem combatido nas últimas décadas. 

E quem apareceu a defendê-las na direita?

O PSD não, porque é um partido basicamente sem ideologia, defensor da democracia, da liberdade e do liberalismo económico, mas sem uma pauta de valores.

O CDS também não, porque pareceu sempre envergonhado da sua condição de partido mais à direita, complexado, com medo de se assumir.

O Chega foi, assim, o primeiro a ter a coragem de o fazer. 

De dizer alto e bom som coisas que muita gente sentia ou pensava mas que nenhum partido verbalizava.

E isto revelou-se determinante.

Mas agora, com o crescimento verificado nas últimas eleições, o que vai acontecer ao Chega? – é a pergunta que muitos fazem.

O partido está numa encruzilhada; e duas coisas, a meu ver, podem acontecer: ou continua a crescer ou afunda-se.

Dificilmente ficará como está.

E atrevo-me a dizer uma coisa escandalosa: o Chega pode substituir o PSD como o principal partido da direita.

Porquê?

Porque, com a maioria absoluta do PS, a política portuguesa evoluirá para a bipolarização, com a existência de dois grandes blocos: um bloco de esquerda, liderado pelo PS, e um bloco de direita, liderado por quem se mostrar mais capaz de o fazer.

Ora, se o PSD revelar a indefinição que tem revelado, não sendo carne nem peixe, pode ter o mesmo destino do CDS – e tornar-se rapidamente um partido pouco atrativo e irrelevante.

Quanto à IL, não a vejo com capacidade para liderar um bloco de direita – pois, além de ser muito elitista, a nível doutrinário não é de direita.

Resta, portanto, o Chega.

Perante uma sociedade em que muitos cidadãos se mostram confusos, em que se perderam as referências, em que os valores tradicionais se afundaram, em que tudo está em causa – desde a pátria, à família, a certas regras ao nível dos costumes – o Chega pode oferecer um porto de abrigo consolador.

E tem um líder forte, capaz de galvanizar muitos eleitores.

Enferma, entretanto, de dois problemas: é demasiado radical, trauliteiro mesmo, e tem falta de massa crítica.

Enquanto o CDS tinha excesso de quadros, o Chega praticamente não os tem. 

Assim, o seu desafio é, em primeiro lugar, tornar-se mais moderado sem perder a sua identidade; e em segundo lugar, apresentar um conjunto de propostas consistentes nos diversos campos – na educação, na economia, na fiscalidade, na cultura -, que lhe deem corpo e credibilidade.

Se for capaz de fazer estas duas coisas, poderá cavalgar o PSD e vir a liderar a direita.

Vejo hoje muita gente no PSD a dizer: «Devemos dialogar com todos, menos com o Chega».

Ora, dentro de não muito tempo, podemos estar na situação oposta: ser o Chega a não querer dialogar com o PSD.