A miopia política do PCP…

O declínio eleitoral irreversível dos comunistas, confirmado nas recentes legislativas, castigou, no fundo, um partido que continua fechado sobre si próprio, alheio à queda do Muro de Berlim e ao desaparecimento dos seus principais congéneres europeus. O PCP ‘fossilizou-se’. 

Com a invasão russa consumada na Ucrânia e a capital em Kiev tomada no segundo dia da ofensiva, foi patético o comportamento do PCP, o único partido a não condenar o estado de guerra lançado por Putin às portas da Europa, primeiro a pretexto de ‘proteger’ os separatistas do Leste daquele país e, depois, abertamente, numa estratégia de recuperação de um ex-satélite, cujo governo ‘teimou’ em aproximar-se da União Europeia e da Nato. Um ‘pecado’ fatal.

Numa ação partidária em Lisboa, Jerónimo de Sousa criticaria o Kremlin, curiosamente, não por desferir um ataque inaceitável à soberania de um povo, mas por ‘refletir’ a «posição da Rússia como país capitalista» num «ataque à União Soviética e à notável solução que esta encontrou para a questão das nacionalidades». Um espanto.

Já na comissão permanente da Assembleia da República, o ainda líder parlamentar comunista, João Oliveira, faria coro com Jerónimo, recusando-se a condenar a Rússia, apesar do desafio do ministro Santos Silva, perante «a maior crise de segurança por que a Europa passa desde a II Guerra Mundial».

Oliveira demonstrou na sua deplorável intervenção, que dispõe – se dúvidas houvesse -, de todas as ‘características’ para suceder a Jerónimo na liderança do PCP, desde uma gritante amnésia a uma profunda miopia política…

O PCP ficou sozinho na sua fidelidade ‘canina’ a Moscovo dos tempos da ‘guerra fria’ (para seguirmos a cartilha do comunista Manuel Tiago, que tratou o primeiro-ministro por ‘cãozinho da NATO’), enquanto recordou ser contra o alargamento da Aliança e a sua própria existência. 

Dir-se-ia que, afinal, a URSS ainda existe para os nostálgicos do PCP, cuja serventia ideológica permanece intacta. 

O declínio eleitoral irreversível dos comunistas, confirmado nas recentes legislativas, castigou, no fundo, um partido que continua fechado sobre si próprio, alheio à queda do Muro de Berlim e ao desaparecimento dos seus principais congéneres europeus. O PCP ‘fossilizou-se’. 

Há quem encolha os ombros e julgue que as fronteiras portuguesas estão longe da Ucrânia, o que sendo uma evidência geográfica não nos exclui das consequências, designadamente, no plano económico.

É certo que no pós-25 de Abril o país sentiu na pele os efeitos do encurtamento das distâncias com Moscovo, através do PCP, de braço dado com os militares revolucionários. Essa aproximação recolheu mesmo o beneplácito de Henry Kissinger, então secretário de Estado americano, um teórico que olhou para Portugal como um laboratório capaz de ‘vacinar’ a Europa.

Por acaso, Mário Soares percebeu isso a tempo, com a cumplicidade de Frank Carlucci, que liderou a diplomacia dos EUA em Portugal, entre 1975 e 1978, considerados os ‘anos-brasa’ da revolução.

Nunca é demais repetir, em especial, quando a soberania territorial da Ucrânia foi violada, que Portugal ficou a dever ao realismo de Carlucci – que se opôs corajosamente às teses de Kissinger – o facto de não se ter transformado numa nova Cuba. 

Com a Ucrânia tomada de assalto pelas tropas russas, há um outro ‘muro’ que Moscovo quer impor ao Ocidente, enquanto o PCP recupera a ladainha que usou até à queda da URSS e o BE defende, hipocritamente, que Portugal deve ‘demarcar-se’ do «apoio aos EUA e à expansão da NATO».

Para o PCP, não é demais repeti-lo, o filme projeta-se às avessas, transformando o agressor em vítima.

Se não fosse caricata esta posição do PCP explicaria, só por si, o progressivo afundamento de um partido, que envelheceu, tal como o seu diminuído eleitorado.

Tão surreal como a atitude isolada do PCP, foi a entrevista de Marcelo Rebelo de Sousa, à CNN Portugal, em calções de banho, à saída da água numa praia da Linha, que ocorreu, ‘por acaso’, quando já soavam os alarmes nas principais chancelarias europeias e nos EUA, prenunciando o eclipse do regime pró-europeu na Ucrânia, vergado às tropas russas.

Uma longa comunicação de Vladimir Putin selara, primeiro, o reconhecimento da independência das regiões separatistas pró-russas de Donetsk e Lugansk, numa teatralidade encenada, tal como já acontecera com a Crimeia, em 2014, com vista grossa do Ocidente. Agora, sem o menor pejo, Joe Biden anunciou o colapso de Kiev como o fizera ao entregar Cabul aos talibãs.

De regresso a Belém, Marcelo foi lesto a testemunhar «a sua total solidariedade» para com Kiev – alinhado com o governo e a União Europeia -, enquanto Putin, citando a História, não hesitou em rasgar os acordos de Minsk e considerar a Ucrânia como parte do ‘império russo’. 

Foi neste cenário de reafirmação do antigo imperialismo soviético, que a guerra regressou à Europa, encontrando o PCP num estado patológico de orfandade, com o Governo em gestão, eleições remarcadas no círculo da emigração e uma grande incógnita em relação ao futuro.