Não é preciso ter nascido nos anos 90 para que conheçamos, dancemos e vibremos cada vez que nas discotecas, ou festas entre amigos, ouvimos o tão famoso refrão: “I’m a Barbie girl in the Barbie world, life in plastic, it’s fantastic”.
Mesmo passados 25 anos, quando a música começa a tocar, somos imediatamente transportados para o videoclip cor de rosa, exuberante e plástico, que nos faz, muitas vezes, deixarmo-nos levar por o diálogo entre a Barbie e o seu companheiro Ken como se efetivamente fossemos as personagens. A verdade é que o grupo dinamarquês Aqua conquistou o ranking mundial com Barbie Girl, a música em que sua vocalista, Lene Nystrøm, sarcasticamente se torna num “objeto feminino”. E há uma semana, mostrou que “o passar do tempo não leva ao esquecimento”: no vigésimo quinto aniversário da banda – a mais controversa das suas canções – atingiu a marca histórica dos mil milhões de visualizações no YouTube. O vídeo do single, incluído no primeiro álbum da banda, Aquarium, de 1997, foi colocado na plataforma em 2010, mais de dez anos depois de ter sido lançado. “Só podemos dizer: ‘mil milhões de agradecimentos’!”, escreveram Lene Nystrøm, atualmente com 48, René Dif, de 54, e Søren Rasted, de 52, três dos membros originais da banda que, por incrível que pareça, ainda estão no “ativo” – apesar de não lançarem um álbum desde 2011, Aqua continua em tournée pelo mundo, mantendo o sucessos com músicas como Around The World , My Oh My, Happy Boys and Girls e, claro, Barbie Girl, que ironiza a “vida perfeita” da famosa boneca e no final dos anos 90 se tornou uma espécie de hino para os millennials. A música levou o grupo dinamarquês ao estrelato e ao topo das músicas mais ouvidas tanto do Reino Unido como de outros países da Europa, além do Top 10 da Billboard Hot 100, nos EUA. O vídeo do single foi lançado na MTV e foi dirigido pelo diretor holandês Peder Pedersen, inspirando-se em desenhos animados. Contudo, ao longo do percurso, nem tudo foi “cor de rosa”.
Apesar do seu êxito, a música fez com que muitos críticos “franzissem a testa”, questionando o tema da música, onde existe um diálogo entre o casal: Barbie e Ken. Oi, Barbie!/Oi, Ken!/Queres dar uma volta?/Claro, Ken!/Entra!/ Eu sou uma Barbie a viver no mundo da Barbie/A vida de plástico é fantástica/Podes-me escovar os cabelos/ Despir-me em qualquer lugar/ Usa a imaginação/ A vida é a tua criação!”, ouve-se no princípio do single. No início, a maioria das pessoas achou muita piada ao vídeo “cativante”, com cores “berrantes” e as vozes “exageradas”. Contudo, à medida que o tempo foi passando, as opiniões foram-se tornando cada vez menos unânimes, com algumas pessoas a defender que Aqua se encontra a “objetificar” a figura feminina.
Aqua em Tribunal “Nós nunca quisemos fazer uma música sexista”, começou por esclarecer à revista Nylon, em 2017, Lene Nystrøm. “Para nós foi uma espécie de sátira ao tipo de miúda como Pamela Anderson, que existia na época e que ainda existe. Ainda assim, parece-me uma música inocente ao compará-la com outras músicas que por aí andam”, acredita. Além disso, a vocalista garante que se orgulha do single, que não se cansa de cantá-lo e que não tem problema nenhum quando os fãs a chamam de barbie girl. Segundo a mesma, esta identifica-se “absolutamente” com a sua música, apesar de não se considerar uma barbie.
No final dos anos 2000, a Mattel – a maior fabricante de brinquedos do mundo que detém a marca Barbie – abriu um processo contra Aqua, alegando que o grupo musical havia “arruinado a reputação da marca”, que “a música se tornou tão conhecida que começou a afetar as suas estratégias de marketing” e ainda que os artistas haviam “transformado a boneca num objeto sexual”. Além disso, a multinacional acreditava que os dinamarqueses não respeitaram “uma marca registada”, afirmando ainda que falavam da boneca como uma “referência cultural, um conceito e não uma marca específica”. Segundo a Mattel, a música fez com que as vendas da famosa Barbie descessem consideravelmente.
Contudo, a MCA Records e a banda dinamarquesa não ficaram de “braços cruzados” e processaram a empresa, por difamação. Em 2002, o U.S. Circuit Court of Appeals decidiu que a música era apenas uma “sátira inofensiva”, absolvendo a MCA Records e a banda das acusações. “O uso de direitos autorais não é afetado, porque o Aqua usa a palavra barbie para transmitir um conceito particular que eles têm”, lê-se num dos documentos, que também menciona que o facto de “remover” a música só colocaria em causa a liberdade de expressão. Apesar disso, a Mattel conseguiu que Aqua não cantasse Barbie Girl por alguns anos – não por imposição judicial, mas porque o grupo decidiu separar-se voluntariamente. “São vocês que estão a impor um sentido à letra da música”, defenderam os artistas na altura. Também o processo por difamação contra a Mattel não obteve resultados, e o juiz Alex Kozinski afirmou que “ambas as partes deviam relaxar”.
Uma carreira de separações Segundo o jornal espanhol El Mundo, Aqua fez uma “pausa” na sua carreira entre 2001 e 2008, ano em que regressou para “oferecer” uma série de espetáculos. Ao perceberem que continuavam a fazer “vibrar” o público, o grupo pensou em lançar um terceiro álbum, em 2011. E assim nasceu Megalomania que se seguiu a Aquarius (2000). Três anos depois, o grupo voltou a separar-se, pois todos os seus membros queriam “aproveitar as famílias e os seus projetos a solo”. Em 2016, os artistas decidem regressar, desta vez sem Claus Norreen, que, embora declarasse que “amava os seus amigos incondicionalmente”, tinha “outras aspirações musicais”. Mesmo assim, nada conseguiu desencorajar os três integrantes restantes, que nos últimos seis anos fizeram tournées pela Europa, Ásia e América com grandes espetáculos onde o principal “anseio” é ouvir a música sobre as “futilidades” da boneca mais famosa do mundo.
Desde pequena que Lene Nystrøm nutriu uma paixão pela música. Esta treinou como cantora e começou a tocar em bares em adolescente. Em 1990 acabou por ganhar fama no programa de televisão Casino da TVNorge e, quatro anos depois, a sua vida mudou radicalmente, quando trabalhava num cruzeiro e conheceu o dinamarquês René Dif, que tocava com os seus amigos Søren Rasted e Claus Norreen num grupo chamado Joyspeed. Desta forma, René convenceu Lene a fazer parte da banda e não foi preciso muito tempo para que Aqua nascesse. A banda estreou em 1996 com Roses Are Red e lançou o seu primeiro álbum Aquarium um ano depois.
Atualmente, continuam a atuar em palcos juntos, a encher salas e a divertir o público, apesar das músicas lançadas depois de Barbie Girl nunca terem tido o mesmo sucesso. Na sua página no Instagram partilham regularmente fotografias dos seus espetáculos e é perfeitamente visível a mudança dos artistas. Estes descartaram em grande parte as roupas “descoladas” da época, vestindo-se de maneira “menos exuberante”. Recentemente o grupo, agora com três elementos, revelou à BBC que olhava para as suas conquistas da década de 1990, com nostalgia. Na legenda da fotografia partilhada na rede social para anunciar a entrevista, estes escreveram: “Tivemos uma ótima conversa com Ryan Saunders da BBC para o programa Top Of The Pops 1994-1997 no outro dia. Isso fez-nos viajar por memórias! Uau!”.
De seguida foram muitos os fãs que partilharam da nostalgia. Um internauta escreveu: “A rainha nunca envelheceu”. Enquanto outro acrescentou: ‘Vocês estão ótimos”. Um terceiro seguidor “implorou” por uma nova música. Em 2019, Lene disse que a banda estava a trabalhar em novas músicas.
Em entrevista ao TMZ, a vocalista adiantou que o grupo estava a trabalhar, mas que é o “juiz mais difícil”: “Não lançaremos nada até que esteja absolutamente perfeito”, explicou acrescentando que os artistas estão a “cruzar os dedos” para que do seu trabalho saia “algo incrível”. Em julho passado, a banda lançou um cover de I Am What I Am para o Copenhagen Pride.
Com novas músicas ou não, críticas e tentativas de “cancelamento”, a verdade é que mesmo sem um dos elementos e, mesmo com o passar dos anos que os podiam ter levado ao “esquecimento”, os Aqua continuam “vivos” e, Barbie Girl não poderia deixar de ser tão “atual”.