O fim de Putin

Mas como se compreende que um homem que foi oficial da polícia secreta, que chefiou serviços de espionagem, tenha cometido nesta operação um tamanho erro de avaliação? Como se percebe que não tenha previsto minimamente o que poderia acontecer?  Não é a primeira vez que assistimos a situações destas. Passou-se o mesmo com Hitler. Certos homens políticos…

A invasão da Ucrânia foi um erro colossal, que vai conduzir inapelavelmente ao fim da carreira política de Vladimir Putin. A Rússia, simplesmente, falhou os cálculos. 

Planeou uma ‘guerra relâmpago’, à maneira de Hitler, utilizando meios aéreos, tanques, artilharia e infantaria, com vista à ocupação quase sem luta do leste da Ucrânia, a capitulação do Governo e a instalação em Kiev de um poder fantoche amigo da Rússia. 

Tudo se passaria num ápice: quando o Ocidente acordasse, estaria perante um facto consumado. Haveria protestos dos EUA e das potências ocidentais, haveria sanções, mas não passaria disso: o mal estava feito e não valeria a pena chorar sobre o leite derramado.

Só que o plano falhou. A população ucraniana resistiu de forma inesperada: onde os russos esperavam ser recebidos com flores, como libertadores – ou, no máximo, com indiferença –, foram recebidos com tiros de canhão e cocktails Molotov. 
O Presidente Zelensky, um ex-comediante que os russos julgavam um fraco, pronto a render-se às primeiras ameaças, vestiu a pele de herói e dispôs-se a lutar até ao fim.  Apanhadas de surpresa pela resistência ucraniana, as tropas russas não se revelaram tão eficazes quanto a situação exigia. 

O seu avanço tornou-se lento e penoso, com tanques destruídos, aviões e helicópteros abatidos, e imensas baixas. 
Não podendo voltar para trás, os russos começaram a agir de forma brutal – bombardeando cidades, destruindo prédios de habitação, hospitais e escolas, matando civis, espalhando o terror. Uma campanha que se previra rápida transformou-se num inferno.Para os agredidos, mas também para os agressores. 

E a inesperada resistência da Ucrânia deu tempo à Europa e ao mundo para reagir. A União Europeia uniu-se e rapidamente impôs sanções à Rússia. Os Estados Unidos idem. O Ocidente começou a oferecer à Ucrânia dinheiro e armamento. A comunidade internacional protestou vigorosamente e o repúdio pela invasão foi geral.

Dentro da própria Rússia organizaram-se corajosas manifestações. E para quem tivesse dúvidas sobre de que lado estavam os ucranianos, começou a verificar-se um gigantesco êxodo para Oeste. As pessoas não fugiam para a Rússia ou para a Bielorrússia – fugiam para a Polónia, para a Hungria, para a Roménia, para a Moldávia. A retórica de Putin de que ia ‘libertar a Ucrânia dos fascistas’ viu-se esmagadoramente desmascarada pelos factos. Putin sentiu na carne o ódio dos ucranianos à sua pessoa e ao seu país. 

Mas como se compreende que um homem que foi oficial da polícia secreta, que chefiou serviços de espionagem, tenha cometido nesta operação um tamanho erro de avaliação? Como se percebe que não tenha previsto minimamente o que poderia acontecer?  Não é a primeira vez que assistimos a situações destas. Passou-se o mesmo com Hitler.
Certos homens políticos espalham em seu redor um tal clima de terror que inibe os colaboradores de lhes dizerem a verdade.Mentem-lhes, para não sofrerem os efeitos da sua ira. 

Não é impossível que Putin não saiba com exatidão o que se passa na Ucrânia. Os generais não lhes comunicarão abertamente as baixas nem os atropelos às leis da guerra. E ele duvidará das imagens que chegam do Ocidente, achando que são forjadas ou manipuladas. Putin vive num mundo de fantasia e demorará tempo a aceitar a realidade.
De qualquer forma, se lhe tivessem dito que dezasseis dias depois do início da invasão a resistência ucraniana se mantinha, que as tropas russas não tinham ocupado nenhuma das principais cidades e que o Presidente ucraniano continuava firme no seu posto, Putin não se teria metido nesta aventura.   

Agora é tarde.Seja qual for o resultado da guerra, Putin está condenado. Ninguém, nos tempos atuais, sobrevive impune no poder depois de ter provocado tamanha devastação. 
Tudo lhe correu mal. Perdeu aliados – a própria China distanciou-se – e não ganhou nenhum. Ressuscitou a NATO, que estava moribunda, uniu a União Europeia, que estava desunida (com a Polónia e a Hungria a serem empurradas para fora por outros Estados-membros…), reaproximou a Europa e os EUA, que se tinham afastado. Reacendeu os nacionalismos nos países limítrofes, que agora rejeitam vigorosamente qualquer aproximação à Rússia. Levou mais Estados a pretenderem a entrada na NATO, como escudo protetor. 

A Rússia está hoje mais isolada e enfraquecida do que estava no tempo do comunismo e Putin é um líder desacreditado pelas suas mentiras.

Com as sanções impostas pela UE e pelos EUA, os russos vão regressar aos tempos desgraçados da URSS, em que não havia nada: as lojas eram tristes, os produtos eram de má qualidade, os carros eram fabricados no Leste e maioritariamente velhos, as grandes marcas não se vendiam lá. Só que nessa altura as pessoas não conheciam outra realidade – e agora conhecem. A classe média habituou-se a certas comodidades, e a juventude, que não viveu o tempo do comunismo, custará a adaptar-se à nova situação. O descontentamento instalar-se-á e a repressão terá de ser mais forte. 

Vladimir Putin assentava o seu poder em três pilares: a complacência da classe média, o poder dos oligarcas e o apoio do Exército. Da classe média já se falou: vai sofrer na carne. Os oligarcas vão ver os seus negócios imensamente afetados. E mesmo que não abandonem Putin, o seu poder diminuirá muitíssimo – passando a constituir um apoio menos sólido. 
Quanto ao Exército, veremos como se comportará depois desta guerra em que foi surpreendido e parcialmente humilhado.

Uma coisa é certa: Putin será deposto, não pelos seus inimigos declarados nem por quaisquer movimentações populares, mas por aqueles que o rodeiam e foram seus cúmplices nas atrocidades. 

Uma nota final para a posição do PCP.Jerónimo de Sousa tem-se esforçado por explicar que, ao contrário do que dizem, o PCP condena a invasão da Ucrânia. Ora, só faltava que a apoiasse…! O problema não é esse. O problema é que, mesmo discordando da invasão, o PCP também condena a resistência ucraniana e o apoio do Ocidente, com o argumento de que isso «só provoca a escalada da guerra». Ou seja, os ucranianos deveriam ter deixado os russos entrar e ocupar o país sem resistência, e o Ocidente deveria ter estado quieto. Era isto o que o PCP queria. Desta forma, Putin imporia a sua vontade e não sujaria as mãos de sangue.

Esta posição não tem ponta por onde se lhe pegue. Pela mesma lógica, a França, a Inglaterra, a URSS deveriam ter deixado Hitler ocupar a Europa sem luta.

O PCP finge não perceber que Putin só entende uma linguagem: a linguagem da força.A única forma de o obrigar a ceder numas negociações é fazer-lhe frente; se ninguém se lhe opuser, ele avançará sempre. Julgo que o PCP perdeu a última oportunidade para se reconciliar com a História.

Percebe-se agora com clara nitidez por que nunca denunciou os crimes de Estaline, por que apoiou as invasões da Hungria e da Checoslováquia, por que se demarcou de Gorbatchov. Mais: percebe-se que, ao contrário do que afirma, não lutou em Portugal pela democracia no tempo de Salazar: lutou para instaurar o comunismo, ou seja, para pôr no lugar daquela ditadura outra de sinal contrário.

O nazismo e o comunismo foram os grandes dramas do século XX. O PCP combateu um mas apoiou o outro. Putin comete a proeza de juntar os dois.