Expresso – Se a mentira é oficial, não é mentira

A SIC foi obrigada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) a emitir um direito de resposta do ministro João Pedro Matos Fernandes e do secretário do Estado João Galamba, o que constitui um primeiro sinal do que nos espera quando o autoritarismo substitui o debate livre. 

por Henrique Neto

Desde logo, porque este direito de resposta não resulta da necessidade de informar a opinião pública, dado que tanto o ministro como o secretário de Estado têm todos os meios disponíveis para o fazer, trata-se apenas de uma manobra para humilhar o programa Negócios da Semana, cuja denuncia dos erros da governação, nomeadamente no campo da energia, incomoda o Governo. Repete-se assim a história da TVI de José Sócrates.

Acresce que este direito de resposta não informa, limita-se a iludir os portugueses com meias verdades e a fugir a dar as respostas que a economia e os empresários pedem para planearem o seu futuro, quando não a mentir descaradamente. Vejamos:

1. O Direito de Resposta mente quando afirma que Portugal não tem uma produção de eletricidade excedentária, porque de facto tem uma capacidade instalada que é no mínimo o dobro das necessidades do país quando há vento, é de dia e as albufeiras estão cheias de água. A ideia de que Portugal já importava eletricidade antes do fecho das centrais de Sines e do Pego é verdadeira, mas isso acontece sempre quando não há vento e não é de dia, ou seja, demonstra a mentira do Governo sobre as razões do fecho das centrais a carvão, que serviam de back up nestas circunstâncias. Agora, quando não há vento e é de noite passámos a importar a energia que era produzida em Sines e no Pego e no seu direito de resposta os dois governantes omitem que nunca se importou tanta eletricidade nas horas de ponta como agora, mais de 50% do consumo!

2. Também é verdade que a central de Sines fechou por decisão da EDP, só que os dois parceiros do ministério não informam que a Central deixou de ser rentável para a empresa porque o Governo aumentou drasticamente a taxa de carbono aplicável e por não deixar a empresa produzir em permanência, obrigando-a a uma operação de para arranca consecutivo para cobrir os períodos em que as potências intermitentes, eólicas e solares, não produzem. Quanto à central do Pego, a informação dada de que com o fecho da produção se poupam 100 milhões de euros é surreal, porque esta Central assegurava uma potencia firme, ou seja, pronta a arrancar sempre que era necessário para evitar apagões. Agora, sem centrais a carvão, estamos a importar de Espanha mais de 10 milhões de euros de eletricidade, todos os dias, ou seja, aquilo que o ministro parece dizer é que quanto mais empresas fecharem em Portugal e mais empresas deixarem de importar as matérias primas necessárias ao seu funcionamento, maior será a poupança nacional. Com este raciocínio económico não surpreende que Portugal se aproxime da cauda da Europa.

3. É uma falsa questão a Central do Pego estar em fim de contrato, sabemos todos que os contratos se renovam, só que este Governo prefere mais energia intermitente e importar mais eletricidade de Espanha, mesmo que seja produzida em centrais a carvão ou nucleares, pouco importa. A verdade é que estes dois governantes iludem a questão principal em debate: o aumento da produção eólica e solar, mesmo a crescer até ao infinito, não altera os dados do problema, porque quando não há vento e é de noite apenas a importação evita os consequentes apagões. Se esta obsessão do ministro e do secretário de Estado pelas energias renováveis intermitentes, à custa da economia nacional, é ou não para servir os amigos, o que eles referem, não sei, deixo aos leitores o julgamento.

4. É também verdade que os últimos leilões solares têm preços muito atrativos – dizem de 14,76 euros/MWh – só que não dizem que a prioridade ainda por muitos anos e por força dos contratos em vigor, é dada à produção já existente que tem preços que chegam a atingir os 350 euros por MWh. Ou seja, como disseram os especialistas ouvidos no Negócios da Semana, os governos investiram sem olhar para a curva dos custos da evolução tecnológica e os consumidores estão agora amarrados a esses contratos caríssimos até 2028. Assim, o crescimento da produção com a entrada destes novos operadores só teria significado se o Governo terminasse com os contratos existentes.

Em resumo, este Governo e este ministério mostram uma elevada ignorância na matéria da política energética nacional e criaram uma verdadeira quadratura do círculo, com o resultado dos preços insuportáveis da energia em Portugal. O autoritarismo, o ataque mal educado aos especialistas que são chamados ao programa Negócios da Semana e a tentativa de colocar a liberdade de informar da SIC sob pressão, são para eles os objetivos possíveis. Já a decisão da ERC de considerar aceitável o direito de mentir aos portugueses, não me parece ser uma boa ideia.

 

Nota: Para que conste, enviei este texto para publicação no jornal Expresso, certo do seu interesse jornalístico para a informação dos seus leitores. Não consegui a sua publicação no jornal, primeiro com a proposta de publicação no formato digital, que não aceitei e que foi compreendido, depois foi necessário encurtar o texto por duas vezes, para, no fim da história, não ser publicado. Aparentemente, a burocracia interna do Expresso, é mais importante do que informar os leitores sobre a humilhação a que foi sujeita a SIC com a publicação de um direito de resposta repleto de mentiras e de meias verdades.