‘Radiação está sempre à nossa volta, até nas bananas’, explica físico

Radiação de fundo em Portugal é controlada desde 1989 pela APA.

É na Agência Portuguesa do Ambiente que funciona a Rede de Vigilância em Contínuo da Radioatividade no Ambiente (RADNET), criada em 1989 até para cenários de eventual acidente nuclear em Espanha. Diferentes estações no país medem em contínuo a radiação gama (produzida geralmente por elementos radioativos) no ambiente e na água, acionando alarmes quando os níveis são superiores a limiares predefinidos, o que nos últimos anos não tem acontecido.

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Questionada pelo i, a APA explicou no final da semana passada que não se registaram “alterações relevantes” no episódio de poeiras provenientes do Norte de África, apontando para valores coerentes com os valores expectáveis considerando o fundo radiológico natural.

Os dados da RADNET, que são publicados em tempo real, mostram uma ligeira subida na chamada radiação gama na semana passada, com uma elevação no dia 20, que a APA não confirmou se terá a ver com o Césio-137 agora associado às poeiras vindas da Argélia pela ACRO.

Ao i, Jorge M. Sampaio, investigador do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, admite que havendo um “sinal” no mesmo dia em todas as estações, essa pode ser uma hipótese, explicando no entanto que os valores em causa não são relevantes para os limiares definidos em matéria de saúde pública. O site da RADNET mostra um pico na casa das poucas dezenas nas estações habitualmente com menores medições e máximo de 154 nanoservierts por hora nas Penhas Douradas, quando o limite é uma exposição de 1 mSv por ano.

Jorge M. Sampaio explica que quando se avalia o risco é preciso ter presente que há sempre radiação à nossa volta, de que nem sempre estamos conscientes. “Pode não ter a ver com acidentes, ensaios nucleares ou com as centrais. Existe radiação natural e mesmo no interior do nosso corpo podemos ter elementos radioativos. Quando ingerimos bananas temos potássio e há um dos potássios que é radioativo e não é radioativo porque tenha havido uma contaminação, é assim desde a formação da Terra”, exemplifica. “O que temos de comparar é se o valor que temos a mais de radioatividade artificial, seja para bem ou para mal, porque pode ser para bem quando vamos fazer um exame médico, está muito acima do valor base esperado. Em Portugal sabemos, por exemplo, que existem zonas com maior concentração do gás radioativo radão, que resulta do decaimento de urânio, e que no interior do país tem de ser mais controlado. Se estiver na atmosfera espalha-se como o Césio não tem grande problema mas em casas antigas, com pouca ventilação, pode concentrar-se mais e aí é menos saudável”, diz. E a perceção do risco passa pela informação: “Há locais com mais radiação do que outros, seja pela geologia ou a altitude porque recebemos também radiação do Espaço. Há praias no Brasil, por exemplo, que são muito radioativas em que as pessoas estão expostas a níveis de radiação superiores aos que houve em Fukushima. A questão é sempre como se avalia a perceção do risco e às vezes essa perceção não é muito clara porque há situações naturais mais arriscadas do que as artificiais”.

Jorge M. Sampaio sublinha que a conclusão da ACRO é mais interessante por mostrar como estes elementos chegam até nós e, nesse sentido, assim deverá continuar a acontecer nos próximos anos: os isótopos radioativos de Césio-137 têm uma meia-vida (tempo necessário para que metade de seus átomos radioativos se desintegre) de 30 anos, ou seja em média demora 30 anos a transformar-se, dando lugar ao bário, que já não é radioativo, quando os isótopos radioativos de urânio têm meias-vidas de milhões de anos.