E se voltássemos a escolher os amigos?

Não podemos tratar forças políticas não democráticas como moralmente iguais, porque não o são.

Por Francisco Gonçalves 

O entendimento sobre o apoio dado por entidades externas a partidos políticos depende da visão de quem o interpreta. Imagine-se: os partidos irmãos do Chega, como o Liga Norte, de Itália, ou a Frente Nacional, de França, terão recebido apoio da Rússia para as suas atividades políticas. Certamente que os seus líderes, Matteo Salvini e Marine Le Pen, respetivamente, concordariam com as posições políticas de Vladimir Putin. O mesmo se poderá dizer do líder do Chega, ou não seriam partidos irmãos. 

Naturalmente que um(a) democrata liberal sempre viu nestes apoios uma coisa espúria, e um meio de degradação do nosso regime, para nós cheio de virtudes – ou o menos mau dos sistemas, para eles, cheio de problemas – uma vez que entendiam ser a Rússia, e a sua liderança, um exemplo.

A ingenuidade destas forças políticas (na relação com a Rússia) tem paralelo, internamente, nos políticos que ainda há poucas semanas diziam não haver linhas vermelhas com estes partidos. Será que já perceberam que as forças iliberais não partilham o nosso adquirido civilizacional? 

Se os apoios das ditaduras são indesejados, do lado oposto estão os apoios dos países que contribuem para o estabelecimento da democracia. No Portugal pós-revolucionário, o apoio das fundações ligadas aos partidos políticos alemães foi fundamental para a formação e apreensão da democracia. São exemplos as fundações Friedrich Ebert, com o PS (ligada ao SPD), as Konrad Adenauer (ligada à CDU) e Friedrich Naumann (ligada ao FDP), no caso do PSD. Este apoio levou à criação de instituições nos partidos de governação em Portugal para gestão destes recursos (Fundação Antero de Quental, no PS, e Instituto Progresso Social e Democracia, no PSD).

Sabe-se que este apoio foi fundamental para densificação e solidificação dos valores democráticos no nosso país. Muitos quadros políticos foram formados com recurso a estes apoios: a democracia também se aprende!

A guerra na Ucrânia é, também, e em grande medida, uma guerra por valores. É uma guerra contra a democracia. Todavia, o combate pela democracia decorre há muito nas nossas sociedades, não parou quando Fukuyama escreveu o seu Fim da História. Essa é uma ilusão com a qual não podemos mais conviver. 

Se tomamos consciência deste combate, e de quem são – hoje – os inimigos da democracia, temos de voltar a saber escolher os nossos amigos. Essa é, também, uma tarefa de toda a sociedade. Não podemos tratar forças políticas não democráticas, ou iliberais, como moralmente iguais, por que não o são. Os não democratas minam a democracia enquanto aguardam pela sua oportunidade de tomar o poder. O espaço que ocupam no ‘espaço público’ é instrumental para degradar o nosso modo de vida. O desmesurado tempo de antena que é dado a estas forças políticas é um atestado de cumplicidade aos inimigos da democracia. O financiamento dado a estas forças políticas é um financiamento ao nosso condicionamento. Veja-se quem as financiam e veja-se quais os seus objetivos.

O apoio dado aos partidos políticos tem o condão de poder ser benigno, ou maligno. O relativismo moral não pode aterrar na política e fazer da nossa democraticidade um terreno fértil para o crescimento do iliberalismo, seja de esquerda, seja de direita. É tempo de pormos de lado a ingenuidade e a infantilidade na relação com os inimigos da democracia; sabermos quem são e escolhermos os amigos. Devemos isso a nós próprios e ao nosso futuro!