Açores. Sismo de 3.8 aumenta receios em São Jorge

A crise sísmica pode passar, pode haver um tremor de terra forte ou até uma erupção vulcânica, dizem peritos ao i. Se a atividade sísmica  surgir em menor profundidade ou caso se vejam deformações no terreno, é sinal que magma está a subir à superfície. 

Desde o início desta crise sísmica nos Açores que não se via um sismo como o registado esta terça-feira à noite, com 3.8 de magnitude e epicentro no mar, a um quilómetro do concelho de Velas. Se a ilha de São Jorge estava em ameaça de erupção – ou alerta vulcânico V4, na terminologia usada pelo Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores (CIVISA), que vai de 0 a 7 – este sismo “pode vir a destabilizar o sistema ainda mais”, avisa José Madeira, professor de Geologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) e investigador do Instituto D. Luíz, ao i. Daí que a a Proteção Civil dos Açores, após o sismo de terça-feira, tenha avisado para o risco de um sismo de maior intensidade na ilha, além do risco de uma erupção vulcânica. 

 Não que valha a pena pensar já em retirar gente da ilha. Mas tudo o que é geólogo ou sismólogo estão de olhos postos nos sinais de perigo. Que seriam a deslocação da atividade sísmica para menor profundidade, indicando uma subida do magma à superfície, ou deformações do terreno ainda mais fortes do que as já verificadas.

“Tudo isso são sinais de que uma erupção estaria iminente”, explica Madeira. Mas esse não é um desfecho inevitável para esta crise sísmica, iniciada a 19 de março, e que até esta quarta-feira tinha resultado em mais de 20 mil sismos, uns 200 dos quais foram sentidos pela população – ou seja, batendo o dobro do total de sismos registados em toda a Região Autónoma dos Açores durante 2021.

Há três cenários possíveis para esta crise, apontam os peritos. Pode ser só um susto, com a atividade sísmica a diminuir gradualmente. São Jorge também pode sofrer um sismo “de magnitude média-alta”, aponta o professor da FCUL. E ainda pode haver uma erupção vulcânica.

Já o geógrafo físico Gonçalo Gil tem vindo a alertar para os paralelos preocupantes entre a atual crise sísmica e que precedeu a erupção do Vulcão da Urzelin, em 1808. Uma comparação direta é impossível, dado que, à época naturalmente não existiam as atuais ferramentas de deteção e registo sísmico. Apenas podemos comparar os tremores sentidos pela população, mas aí a semelhança é grande, assegura o geógrafo físico.

“Os registos históricos que existem dessa altura mostram que os sismos começaram a sentir-se cerca de uma semana antes de haver sismos de maior magnitude”, explica Gil. “E depois resultaram numa erupção em terra”. Toda a povoação da Urzelina acabou destruída, submergida num mar de rocha líquida  e fumegante. Só sobrou a torre da igreja, que ainda lá está, espreitando debaixo do basalto. 

Desde então, voltou-se a construir sobre os restos desta erupção. Os detritos vulcânicos podem criar terrenos muito férteis, não espanta que atraiam as populações mal estas se esquecem do susto e a terra arrefece.

 “As povoações continuaram-se a expandir como se não fosse uma zona vulcânica. São erros de planeamento que aconteciam antigamente, e que hoje ainda acontecem”, considera este geógrafo físico. “Mas se não se construísse em zonas vulcânicas, os Açores também não eram habitados”, admite. “Tirando alguma ilhas mais adormecidas a nível geológico”.

Um repetir de La Palma? De facto, dentro da possibilidade de uma erupção vulcânica em São Jorge, uma erupção terrestre seria o caso mais devastador. Uma erupção “no mar, se for a pequena profundidade tem impacto, em maior profundidade não”, frisa José Madeira. “Se a erupção for em terra os cenários são”… continua, hesitando por um momento. “Graves”.

Tudo indica que uma erupção terrestre em São Jorge seria algo semelhante à erupção do vulcão Cumbre Vieja, na ilha de La Palma, explica Gil. “Estamos a falar de um comportamento eventualmente muito semelhante. Começa a montanha a fumegar lá ao fundo e solta uma lava muito fluida, com alguns períodos um pouco mais explosivos, oscilando entre mais lava ou mais cinza”, compara. “Não se compara com a erupção que acontecerá um dia na ilha do Pico, que é um vulcão muito mais explosivo”.

Contudo, se os estragos da erupção em La Palma foram estimados em quase 850 milhões de euros, obrigando à retirada de milhares de pessoas, a fuga no caso da ilha de São Jorge poderá ser ainda mais complicada, alerta José Madeira. 

“A diferença é que La Palma é uma ilha muito maior que São Jorge, que muito estreita”, salienta o professor da FCUL. “O transporte dentro da ilha por terra, para a evacuação de pessoas, serão muito mais complicadas. Porque eventualmente a própria estrada de saída, em Velas, pode ficar inutilizável”. 

Tanto para Madeira como para Gil, as medidas que têm sido levadas a cabo até agora pelas autoridades, preparando os meios de emergência para o pior cenário, têm sido o adequado. “É preciso estar alerta, mas não alarmista”, explica o professor da FCUL. E mesmo no pior cenário poderia não ser preciso evacuar toda a ilha de São Jorge.

“Não seria necessário evacuar a ilha, seria necessário evacuar as áreas de risco mais elevado, até poderia ser para dentro da própria ilha”, explica Madeira. “O leste de São Jorge é uma área que não está em risco, só a região central e oeste”, continua. “Mas seria sempre uma operação muito complexa”, admite.