Costa está satisfeito

O superministério atribuído a Mariana Vieira da Silva é um faz-de-conta. A ministra não tem peso político próprio, não tem apoios no PS, a sua biografia passa muito por ser filha do ex-ministro Vieira da Silva. De low profile, é uma burocrata ali posta para constituir um ‘tampão’ entre o primeiro-ministro e os outros ministros,…

O novo Governo apresenta várias novidades em relação ao anterior. É mais pequeno, tem um superministro que tutela vários ministérios, inclui mais mulheres do que homens.

O facto de ser mais pequeno tinha sido largamente publicitado por António Costa, que falou de uma «task force». Ora, tendo em conta as expectativas criadas, a redução de apenas dois ministros constituiu uma desilusão. Para uma task force, 17 pessoas é muita gente. Mesmo tendo em conta o menor número de secretários de Estado, esperava-se uma redução bem maior.

O superministério atribuído a Mariana Vieira da Silva é um faz-de-conta. A ministra não tem peso político próprio, não tem apoios no PS, a sua biografia passa muito por ser filha do ex-ministro Vieira da Silva. De low profile, é uma burocrata ali posta para constituir um ‘tampão’ entre o primeiro-ministro e os outros ministros, diminuindo-lhes a importância. O ‘controlo’ que vai ter sobre o PRR será apenas administrativo, pois as opções políticas estão tomadas. Apontarem-na como possível futura líder do PS é uma brincadeira: notoriamente não tem características para isso.

A existência de uma maioria de mulheres (nove ministras contra oito ministros) é irrelevante. E é preocupante, se foi uma preocupação de António Costa. Se na escolha dos ministros começarem a entrar critérios estranhos às suas qualidades para o desempenho dos cargos, qualquer dia o Governo é um catálogo de ‘cromos’: homens e mulheres, heterossexuais e homossexuais, europeus e africanos, gordos e magros, etc. Mas esta forma de pensar, definitivamente tonta, ganha cada vez mais adeptos…

Relevante foi a saída de Pedro Siza Vieira. Um dos grandes problemas dos governos em Portugal é serem recorrentemente formados por indivíduos sem experiência no setor privado. Este não foge à regra: com exceção de António Costa Silva, são todos funcionários do Estado. E isto limita muito a perceção da realidade. Ora, a pessoa que no último Governo fugia a esse paradigma era exatamente Siza Vieira.

Além disso, compensava a falta de sensibilidade económica de António Costa.

Poder-se-á dizer que a entrada de António Costa Silva para o seu lugar resolve o problema. Mas não. Primeiro, tem muito menos peso político do que Siza. Depois, enquanto este era um executivo, Costa Silva parece um filósofo, um estratego, exibe um saber enciclopédico, sabe muito de recursos energéticos e mesmo de geopolítica, mas parece mais fadado para fazer planos do que para os executar.

Outro facto preocupante foi a extinção do Ministério do Mar. A nossa zona marítima – e a correspondente plataforma continental – é um dos grandes recursos nacionais, talvez o principal, mas tem levado tratos de polé. Tão depressa há Ministério do Mar como não há. Não se vê uma estratégia, uma visão coerente para aproveitar este enorme património. Ao fim de seis anos no poder, António Costa ainda não tem ideias claras sobre o assunto.

A substituição de João Leão por Fernando Medina é outra decisão difícil de entender. O facto de o défice de 2021 ter ficado abaixo dos 3% abona a favor da competência do ex-ministro.

Ao tirar Leão para meter Medina, António Costa sacrificou um técnico competente para dar ao ex-autarca uma nova oportunidade política, depois da derrota em Lisboa. Mostrando que aposta nele politicamente e não quer que fique com um protagonismo inferior ao de Pedro Nuno Santos. Mas trata-se de um enorme risco numa pasta como as Finanças, tendo em conta a gigantesca dívida do país e o momento de grande incerteza que se vive.

Entretanto, querendo reabilitar Medina, António Costa só lhe deu o 6.º lugar na hierarquia governamental, sem a tutela da Função Pública (que representa a grande fonte de despesa do Estado). Enfim, Costa deu com uma mão mas tirou com outra, talvez para não suscitar demasiados ‘ciúmes’.

A escolha de Elvira Fortunato para a Ciência e Ensino Superior também suscita reservas. Perde-se uma boa cientista e possivelmente ganha-se uma má ministra, pois ciência e política são coisas muitíssimo diferentes. Neste aspeto, acho mais certa a colocação de Adão e Silva na Cultura, embora sendo uma segunda escolha.

Concordo igualmente com a manutenção de Marta Temido na Saúde. Conhece bem o SNS e teve um desempenho esforçado na gestão da pandemia. É certo que tem pouca sensibilidade para o setor privado. Mas, não querendo António Costa alterações estratégicas no equilíbrio entre público e privado, Temido é a pessoa certa.

A Educação é um caso diverso. A substituição do anterior ministro por um seu secretário de Estado mostra que Costa também não quer aqui grandes mudanças. O que é mau. A indisciplina nas escolas, a perda de autoridade dos professores, a queda do ensino público nos rankings, as discussões ideológicas que têm envolvido o setor, tudo isto exigia uma resposta vigorosa, com a mudança de caras e de filosofia. Tratou-se de uma oportunidade perdida, que revela também falta de sensibilidade de António Costa para esta área.

Ana Catarina Mendes tem um perfil de comissária política, é uma típica apparatchik, fazendo sentido a sua colocação no interface entre o Governo e o Parlamento.

Já a colocação de Helena Carreiras na Defesa levanta sérias dúvidas de não se tratar de uma escolha ditada pelo ‘politicamente correto’. Até porque a nova ministra distinguiu-se sobretudo pelo tratamento académico das ‘questões de género’ nas Forças Armadas. Teme-se o pior, numa área que vai sofrer grandes alterações no próximo futuro, tendo em conta a guerra na Europa.

As outras pastas não me merecem grandes comentários, com uma exceção: a colocação de Pedro Nuno Santos em penúltimo lugar na hierarquia governamental. E este aceitar. Dá ideia de querer manter uma certa distância em relação a António Costa, de modo a poder ser visto amanhã como uma alternativa.

Num balanço geral, pode dizer-se que é um Governo sem brilho, com uma grande preponderância do primeiro-ministro – reforçada pela extensão do seu ‘braço’ através de Mariana Vieira da Silva –, do qual não se esperam grandes mudanças.

Significa que António Costa está satisfeito com o trabalho que tem vindo a fazer. O problema é que Portugal continua a ser ultrapassado nos rankings por países que entraram há muito menos tempo para a União Europeia…