Causas (quase) perdidas

Esta semana é dedicada a frustrações que inquietam. Violência, maus-tratos, agressões. Às pessoas e à língua. Cada uma com o seu peso e medida, são causas silenciosas que, se não são feitas tema, acabam perdidas.

por Sofia Aureliano

Esta semana é dedicada a frustrações que inquietam. Violência, maus-tratos, agressões. Às pessoas e à língua. Cada uma com o seu peso e medida, são causas silenciosas que, se não são feitas tema, acabam perdidas.

No fim, deixo uma lufada de ar fresco. Porque precisamos todos de bons exemplos, justas homenagens e grandes notícias.

 

1. Sofrer em silêncio.

Durante a pandemia, o número de queixas de violência doméstica diminuiu cerca de 6%, o que corresponde a menos 1.861 queixas. Continuam a ser números impactantes e mais do que suficientes para considerar este um flagelo social. Mas a realidade é que poucos acreditam que os confinamentos tenham limitado as agressões. Pelo contrário. O mais certo é que, à semelhança com o que aconteceu na maioria dos países europeus, a violência doméstica tenha disparado. O que diminuíram foram as queixas.

A incapacidade de mais vítimas reportarem as situações demonstra que estão mais sozinhas, sentem-se manietadas e irremediavelmente condenadas a viver no pesadelo. Estes números não devem servir de bandeira positiva nem sustentar qualquer regozijo de conquistas forçadas. Devem servir, sim, para justificar um maior investimento nas medidas de combate a este crime e de apoio às vítimas de todas as formas de violência doméstica.

Sublinho que o plano de ação a implementar (que é urgente!) deve atentar às consequências da pandemia, considerando que, por norma, a maioria das vítimas reporta as situações entre dois e quatro anos após o primeiro ato de violência. Estima-se que os confinamentos sejam propícios ao aumento de casos, pelo que o horizonte não permite antever boas notícias.

 

2. Portuguesas e Portugueses.

Não é novidade que a frase em cima é um pleonasmo. Uma redundância. Uma desnecessidade. Usar o plural feminino, seguido do plural masculino (porque o protocolo manda que as senhoras se enunciem primeiro e “ai jesus” se não se nega a primazia do masculino!) é um erro de português.

Este é um tema que não reúne consenso. Mas é comumente fruto de apropriação indevida pelos mais viscerais defensores da igualdade de género e, como consequência do movimento de nichos, vai-se proclamando o assassinato lento da língua portuguesa.

O pior é que se misturam conceitos e se distribuem rótulos a miúde. É um “nós” (os bons) contra “eles” (os vilões). No meio, fica – perdido – o equilíbrio.

A igualdade de género – como a concebo e, de resto, como a enuncia a ONU – passa por “garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, económica e pública”, e “dar às mulheres direitos iguais”. Não temos de nos tornar míopes nem de fazer pender a balança para o lado feminino para que o resultado final seja o mais justo. Igualdade é equilíbrio.

Sendo consensual que o plural masculino inclui homens e mulheres (e, já agora, também não binários), onde está o equilíbrio de dizer “Portuguesas e Portugueses + Portuguesas” ou “Portuguesas + Todos”? É ridículo. E em nada contribui para atingir as metas da igualdade ou o empoderamento feminino.

Se as mulheres se sentem diminuídas pela prática histórica e convencional de o todo ser expresso em masculino, não deviam sentir. Porque, aí sim, estão-se a autodiminuir.

Do lado em que observo a questão, a igualdade de género nada tem a ver com a gramática. Apenas quando a maltrata, desrespeita e pratica reiteradamente sob utilização indevida.

Nada é estanque e a língua também não tem de ser. Deve refletir a mudança, a evolução e o progresso social. Este é mais um argumento de uma abordagem radical e extremista do tema. Aos seus propugnadores, pergunto: O que a maioria quer? É justo sobrepor os interesses de uma agenda de nicho à opinião geral?

A língua, como forma de ver o mundo, deve traduzir os valores e a cultura das sociedades. E em democracia, vinga a vontade da maioria. Se assim for, o assunto fica definitivamente arrumado. Porque a maioria não quer que se maltrate a língua.

 

3. Aversão ao risco.

Se a maioria utiliza, no seu dia a dia e sem contemplações deterministas nem quaisquer complexos de culpa, o plural masculino como a soma de todas as partes, porque é que cada vez mais atores políticos, intervenientes mediáticos, pivots da oratória cedem à tentação da redundância? Porque é que são já raros os casos de oradores que se dirigem à audiência em português correto?

Porque padecem de um vírus altamente contagioso e de efeito prolongado que se está a alastrar silenciosamente pela sociedade. O vírus do politicamente correto.

A verdade é que os nichos se afiguram muito mais suscetíveis e reagem proactivamente ao tudo e ao nada. Como consequência, dominam a discussão, mesmo quando não representam a fatia de pensamento predominante. Ocupam silêncios. Preenchem lacunas e vazios. São muito mais sonoros e presentes. Por isso, na dúvida sobre se se ferem ou não suscetibilidades, quem tem de falar às massas prefere jogar pelo seguro. Não arrisca ser rotulado de intolerante, convencional ou ultrapassado. Na dúvida, aposta no moderno e na vanguarda. Na moda. No nicho. E, por opção, escolhe falar mal português.

 

Nota final: O Assessor de todos os líderes.

Esta semana foi inaugurada, no News Museum (Sintra) a exposição de homenagem a Zeca Mendonça, o assessor de todos os líderes do PSD. Uma justa e merecida evocação do ser humano e do exímio profissional que esteve 45 anos ao serviço do mesmo partido. Exemplar, incansável e de absoluta confiança. Acarinhado por todos, o Zeca será sempre recordado como um homem de palavra, um conselheiro de excelência, e um grande amigo.