Um homem de outra época

Ora, mesmo que nesta guerra consiga abocanhar algum pedaço de terra, de que lhe servirá? Aconteça o que acontecer, a Rússia vai sair deste conflito muito mais fraca do que entrou.

Desde a Antiguidade, até ao início da Idade Contemporânea, a conquista de território era o modo de engrandecer as nações e os seus chefes.

Assim se desenvolveu a arte da guerra e se construíram todos os impérios.

Mas no século XIX e sobretudo ao longo do século XX as coisas mudaram.

O imperialismo entrou em refluxo, os territórios colonizados começaram a emancipar-se e surgiram novas formas de domínio de uns povos sobre outros.

O domínio territorial foi progressivamente substituído pelo domínio económico.

E, em muitas situações, o colonialismo económico mostrou-se mais expedito e eficaz do que a colonização tradicional.

Países que nunca tinham conseguido ocupar outros militarmente conseguiram dominá-los através da economia.

O caso português é paradigmático.

Durante séculos, os portugueses resistiram às invasões espanholas, apesar da sua inferioridade militar.

Mas quando a luta passou do terreno das armas para o campo da economia, tudo mudou.

No terceiro quartel do século XX a ‘invasão espanhola’ tornou-se imparável e rendemo-nos quase sem luta.

Bancos históricos, como o Totta, foram ‘anexados’ por espanhóis, empresas emblemáticas, como a Valadares, passaram para as mãos de espanhóis, conhecidos escritórios de advogados, como o de Gonçalves Pereira, foram tomados por espanhóis.

Na banca, na indústria, na agricultura, no comércio, na energia, na hotelaria, grupos económicos espanhóis afirmaram-se e impuseram-se aos portugueses.

Portugal tornou-se em poucos anos a ‘6ª região espanhola’.

E a nível mundial há o exemplo da China.

A China tornou-se uma grande potência global como?

Através da conquista territorial?

Não. Até a autonomia de Taiwan, que está mesmo ali à mão de semear, tem sido respeitada.

A China impôs-se ao mundo através da economia.

Exportando para toda a parte, comprando empresas onde pode, insinuando-se junto de países do Terceiro Mundo, designadamente africanos, através de ofertas significativas.

Inversamente, aqueles que nos séculos XIX e XX haviam tentado aumentar o seu poder através de conquistas territoriais, o que conseguiram?

O que ficou do império de Napoleão, que chegou a ir do Egito a Moscovo?

O que ficou das enormes conquistas da Alemanha na 1.ª e na 2.ª Guerras Mundiais?

Nada.

Vladimir Putin é um homem do passado. Do tempo em que se construíam impérios e se alargava o poder através da ocupação militar.

Em vez de se afirmar pela via do crescimento e das exportações, da compra de empresas no estrangeiro, do alargamento da influência económica na região e fora dela, como fez a China, Putin escolheu o caminho da força.

Limitou-se a extrair carvão, petróleo e gás para financiar operações militares de conquista territorial: primeiro na Chechénia, depois na Geórgia, na Crimeia e no Cazaquistão, agora na Ucrânia.

Ora, mesmo que nesta guerra consiga abocanhar algum pedaço de terra, de que lhe servirá?

Aconteça o que acontecer, a Rússia vai sair deste conflito muito mais fraca do que entrou.

As trocas comerciais com o exterior vão reduzir-se imenso; os rendimentos da venda de combustíveis vão baixar drasticamente; o investimento estrangeiro na Rússia vai cair a pique; as grandes empresas vão fugir de lá e as grandes marcas não voltarão a Moscovo, São Petersburgo e outras cidades.

Sendo que as empresas e as marcas dão hoje muita importância à ‘reputação’, depois da devastação provocada na Ucrânia poucos se disporão a negociar com a Rússia.

A somar a isto, Putin conseguiu ressuscitar a NATO, unir a União Europeia e concitar a aversão das populações dos Estados vizinhos.

Se, antes da guerra, os cidadãos da ex-URSS e dos países bálticos já não morriam de amores pelos russos, agora passaram a odiá-los.

Assim, a Rússia vai ter de viver daqui para a frente rodeada de Estados hostis.

Isolada economicamente, isolada politicamente e com a reputação destruída – é assim que a Rússia de Putin vai sair desta guerra.

Por isso escrevi que o líder russo não resistirá muito mais tempo no poder.

Mais tarde ou mais cedo, impor-se-á em Moscovo uma fação empenhada em romper a solidão em que a Rússia mergulhou.

Uma fação mais moderna, pensando mais na economia e menos no domínio territorial, interessada num progressivo intercâmbio com o Ocidente – única forma de crescer económica e tecnologicamente –, tomará conta do Kremlin.

É que o tempo passa – e Putin parou no tempo.