Estado faturou quase 10 milhões de euros por dia com o ISP

O facto de os combustíveis não terem descido tanto como se esperava causou polémica. Revendedores dizem que não têm “qualquer intervenção” na definição dos preços. Governo lucrou mais com ISP este ano que no ano passado.

A polémica está instalada. Na passada sexta-feira o Governo revelou a redução de preços resultante dos desagravamento da carga fiscal sobre os combustíveis: um desconto adicional do imposto de 14,2 cêntimos por litro de gasóleo e de 15,5 por litro de gasolina. Mas, segundo os dados oficiais da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), os preços da gasolina caíram quase 10 cêntimos por litro e os do gasóleo 8,6 cêntimos. E a aplicação tem sido desigual.

O primeiro-ministro António Costa não foi simpático nas palavras ao prometer que não hesitará em atuar se perceber que gasolineiras estão a incumprir a redução do preço dos combustíveis imposta com a decisão de descer o ISP.

E voltou a frisá-lo esta quarta-feira: “Vamos manter uma vigilância muito atenta para verificar o que se passa relativamente às margens e, como ontem disse, o ministro do Ambiente o Governo não hesitará em tomar as medidas necessárias se verificarmos que há um abuso nas margens aproveitando a redução da tributação”, declarou o primeiro-ministro.

António Costa relembrou que a redução do ISP num valor igual ao que resultaria da descida do IVA dos combustíveis traduz-se num desconto adicional de 15,5 cêntimos por litro de gasolina e de 14,2 cêntimos no gasóleo.

Mas não foi essa a descida nos postos. Porquê? Costa explica: “Não baixou nessa exata dimensão porque a componente fiscal é só uma das componentes dos preços. Quais são as outras? Desde logo, o custo do gasóleo e da gasolina. Como é sabido, houve uma subida do indexante desse valor em cerca de 3,6 cêntimos por litro. E depois há as margens das gasolineiras e daqueles que intervêm no processo de abastecimento. O que temos estado a verificar é uma atuação por parte da ERSE e uma ação no terreno por parte da ASAE”. E acrescentou: “Temos postos onde a redução foi superior à redução da margem fiscal, cerca de 18 cêntimos por litro, e temos outros onde houve uma redução zero”.

As notícias de que as gasolineiras poderão estar a aproveitar-se da descida fiscal em vez de reduzir proporcionalmente os preços começaram a surgir. Ao i, a Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro), diz que “quanto à redução de preço de venda, a descida do ISP que teve impacto nos preços desta semana, foi de 11,5 cêntimos por litro no gasóleo e de 12,6 cêntimos no ISP, que se teria refletido na sua totalidade no preço final ao consumidor, se os outros fatores que constituem o preço se tivessem mantido constantes, o que não aconteceu”.

Antes, António Comprido, secretário-geral da Apetro, defendeu que não há aproveitamento nem aumento das margens de lucro das gasolineiras: “Temos de ter em conta a variação dos produtos nos mercados internacionais. Houve uma subida de 3,4 cêntimos na gasolina e 2,9 cêntimos no gasóleo, mercê não só do aumento das cotações mas também da desvalorização do euro em relação ao dólar. Somando o efeito dos dois componentes mais importantes do preço, o imposto e a cotação do produto, e afetando o IVA, que é importante ter em conta, teríamos previsivelmente o impacto destes dois fatores em menos 11,3 cêntimos na gasolina e em menos 10,6 cêntimos no gasóleo”, disse à CNN Portugal.

Já a Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis (Anarec), reagiu esta quarta-feira, assumindo que “vem acompanhando com preocupação as notícias que têm vindo a público acerca de uma alegada subida das margens de comercialização dos revendedores para justificar a expectativa de descida dos preços com base na redução do ISP definida pelo Governo”.

Em comunicado, a associação diz que “cumpre frisar e reiterar que as margens dos revendedores são contratualizadas como margens fixas e não percentuais, ou seja, a margem do revendedor é sempre a mesma, independentemente do preço dos combustíveis”. E acrescenta que os revendedores de combustíveis nos seus postos de abastecimento “limitam-se a colocar os preços de combustível que lhes são indicados pelas companhias petrolíferas”. Sendo “o último elo da cadeia de valor, não têm qualquer intervenção na definição dos preços”.

 

ASAE fiscaliza

Com toda esta confusão, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) foi para o terreno mas ontem só tinha encontrado em flagrante delito “uma bomba de combustível, de gasóleo simples, em prática especulativa, numa estação de serviço, localizada no concelho de Vila Pouca de Aguiar”. Segundo a ASAE, “após o reset do contador e mesmo antes de ser pressionado o manípulo da agulheta da bomba, o contador alterava-se automaticamente, cobrando valores até 1,65 Euros, sem que o consumidor tenha feito qualquer abastecimento efetivo”.

 

Marcelo questiona

Quem também comentou a polémica em torno dos preços foi o Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa disse não ter dados para avaliar porque é que a redução do preço dos combustíveis não foi igual à anunciada, avançando que terá contribuído para a “perplexidade” a divulgação dos resultados das empresas petrolíferas ao mesmo tempo.

“Não tenho dados para saber exatamente o que se passou, teria de se analisar se aquilo que era reduzido em termos de preço foi comido numa parte pelo aumento do preço de petróleo nos mercados ou não”, disse, considerando ainda que “o que acabou por dar mais que falar foi a coincidência no tempo destas questões e a divulgação dos resultados das empresas”.

Em causa poderá estar a Galp, que anunciou recentemente ter multiplicado os lucros por seis, para os 155 milhões de euros. Essa circunstância “terá levado alguns setores de opinião a ficarem perplexos pela coincidência no tempo, mas isso é problema que tem a ver com a comunicação e gestão das empresas, não cabe ao Presidente da República considerar prudente, sensato ou oportuno haver posição numa altura em que pessoas estão muito sensíveis”.

Sobre o facto de o Governo ter atuado no aumento dos preços através da redução do ISP, Marcelo diz que “a opção que foi adotada partiu da impossibilidade de termos a redução do IVA”, que precisava de autorização de Bruxelas.