O segredo dos NFTs

«O Kansas City Shuffle é quando todos olham para a direita, tu vais para a esquerda» – Mr.Goodkat, em Lucky Number Slevin.

Por Pedro Febrero, Head of Blockchain  na RealFevr

«O Kansas City Shuffle é quando todos olham para a direita, tu vais para a esquerda» – Mr.Goodkat, em Lucky Number Slevin.

Em grande verdade já muito foi discutido sobre NFTs, ou ‘Non-Fungible Tokens’, e vários autores questionaram o propósito, valor e sobretudo utilidade destes ativos puramente digitais. 

Hoje vou tentar fazer exatamente o oposto, e explicar o porquê dos NFTs serem uma tecnologia absolutamente incompreendida, e como é a clara falta de experiência e conhecimento de quem questiona a sua utilidade, porque irei demonstrar na prática o quão valiosos os NFTs são – e não me refiro á sua valorização como objetos puramente artísticos, mas sim á sua clara vitória como ativos financeiros que vieram revolucionar todo o sistema de DeFi, ou ‘Decentralized Finance’ (Finanças Descentralizadas).

O que são NFTs?

Tal como o nome indica, NFTs comportam uma caraterística excecional: representam um ativo digital único. 

Dito de outra forma, um grupo de NFTs, como por exemplo as várias coleções disponíveis no ‘Opensea’, um mercado de compra e venda de NFTs artísticos, representam cada token um item único. Ou seja, dois utilizadores podem ter dois NFTs da mesma coleção que possuem atributos totalmente díspares. 

Quando falo em coleção, refiro-me a um ‘smart contract’, ou a uma aplicação (contrato) criada sobre uma blockchain que executa funções automaticamente conforme as chamadas dos utilizadores (smart); portanto, uma coleção de NFTs é apenas uma aplicação que foi escrita, programada e implementada sobre uma blockchain, como por exemplo Ethereum, e que contém um número de tokens limitados e cujas propriedades diferem entre si.

Ao contrário de ether, a moeda da rede ethereum – ou até mesmo da nossa querida bitcoin – os tokens embebidos nos contratos de NFTs contém propriedades que os distinguem uns dos outros. Enquanto que uma bitcoin é igual a outra bitcoin (isto não é totalmente verdade, mas por agora vamos imaginar que sim), ou um ether é igual a outro ether – porque são intercambiáveis – os NFTs não o são.

Para concluir, acredito que a forma mais fácil de perceber o que são NFTs é simplesmente imaginar uma coleção de cromos, como os que gostávamos de colecionar tipo Panini, só que em formato puramente digital: existem na mesma um número limitado de cromos (digitais), que contém uma identificação única, caraterísticas únicas (raridade, número de série, etc.) e que não podem ser copiados porque existem e vivem dentro de uma base de dados pública e auditável (blockchain). Um exemplo prático são os cromos da RealFevr, a empresa onde trabalho. Os mais curiosos que explorem quando terminarem a leitura.

O valor dos NFTs? 

Poderiamos discutir se os NFTs têm valor, mas como valor è algo subjetivo prefiro-me focar noutras métricas, mais reais e palpáveis.

Embora o valor represente preferências individuais, o preço de um NFT, o volume de transações, ou o total de liquidez, são indicadores que nos podem guiar sobre a adoção e impacto dos mesmos. 

Contúdo, e talvez mais importante que todas essas métricas, seja explicar a reviravolta que a tecnologia subjacente aos NFTs está a causar no fundo DeFi. No início afirmei que os NFTs iam muito para além da arte, correto? Agora, deixem-me demonstrar-vos porquê. 

NTS e Liquidity Pools (LPs)

Como verificámos em cima, os NFTs são apenas smart contracts, ou uma aplicação que vive numa blockchain e que pertence à rede que a suporta (ethereum, binance smart chain, polygon, etc.). 

Isto significa que smart contracts podem conter qualquer tipo de informação, incluindo preços e outros atributos financeiros. Portanto, os NFTs podem representar, por exemplo, o depósito feito por alguém numa ‘liquidity pool’ ou num contrato de ‘staking’. Isto é, os NFTs para além de objetos artísticos são também objetos financeiros porque representam coordenadas que podem ir de preços, a quantidades e volumes, entre outras. 

Embora pareça confuso, e eu sei que sim, os NFTs são uma tecnologia crítica para a existência de melhores contratos de DeFi, onde os depósitos dos participantes estão mais protegidos contra perdas cambiais. Ora vejam: a ação mais simples que se pode fazer em DeFi é providenciar liquidez (LP) para um par de moedas, de modo a que outros utilizadores que necessitem de efetuar trocas (swaps) entre moedas (ETH->USDC), o possam fazer sem necessitar de uma plataforma centralizada, como a Coinbase, Kraken, Binance, etc.. 

Antes dos NFTs serem massivamente utilizados nas pools de liquidez, existia um grave problema para todos os providenciadores de liquidez: o risco acrescido de perdas impermanentes, ou perdas cambiais; isto é, a única forma que eu tinha para adicionar liquidez a um par de moedas numa bolsa descentralizada (Uniswap, Sushiswap), era depositando o mesmo valor dos dois lados da pool de liquidez. Usando novamente o exemplo em cima, se eu desejasse depositar 1 ETH teria de depositar também o valor equivalente em USDC, cerca de $2,900, ao preço de hoje. 

Portanto não existia forma de me proteger caso um dos lados da pool colapsasse em termos de preço. O que normalmente sucedia eram perdas não realizadas: as moedas valiosas eram retiradas pelos depositantes que conseguiam chegar primeiro, deixando a maior parte dos providenciadores de liquidez ‘agarrados’ às moedas ilíquidas. 

Efetivamente os NFTs vieram revolucionar este mecanismo, pois são os NFTs que permitem que os depositantes possam escolher o alcance máximo e mínimo a que estão dispostos a providenciar liquidez. Dito de outra forma, eu como providenciador de liquidez, ou Market Maker, defino a que preços aceito trocar uma moeda por outra. Usando o exemplo em cima, a que preço eu estou disposto a vender ETH por USDC, ou vice-versa. 

No fundo, os NFTs ajudam os utilizadores a não perder moedas que não queiram, e a que consigam na mesma ajudar outras pessoas a efetuar trocas sem uma entidade central que controla todas as transações. 

Portanto a tecnologia de NFTs permite melhorias substanciais ao modelo de liquidez de plataformas descentralizadas de trocas de moedas. 

NFTs e Staking

Vou dar outro exemplo de como os NFTs permitem fazer aplicações descentralizadas ainda mais ‘user-friendly’. Para além de providenciar liquidez, um dos contratos mais usados é ‘staking’. Essencialmente, staking representa uma forma de distribuir a inflação de uma moeda. Os depositantes colocam as suas moedas num smart contract que dependendo do montante depositado, e do período de depósito, lhes oferece um rendimento (yield, ou taxa de juro). Ou seja, suponhamos que eu deposíto ETH num contrato durante uma ano, e em troca recebo 10% do valor total depositado, em ETH. Existem vários tipos de staking, com objetivos bastante distintos e formas de funcionamento objetivamente opostas, conteúdo o propósito final é distribuir moedas por depositantes. 

Um dos problemas de staking é que não existe uma forma simples de um utilizador poder vender a sua stake (depósito). Ou seja, normalmente, as stakes não são líquidas. Até à chegada dos NFTs. 

Um dos avanços mais substanciais que os NFTs permitem é tornar os depósitos (stakes) em ativos transacionáveis. Quando um utilizador faz um depósito recebe de volta um ‘recibo’ – em formato de NFT – que contém os detalhes do seu depósito, e que funciona como uma chave para abrir o cofre do depósito. 

Portanto, os NFTs permitem que as stakes se tornem liquidas e que os depositantes possam vender as suas alocações sem perder rendimento no processo. 

Os números não mentem

O próximo passo é então comparar o volume dos NFTs aestéticos/artísticos, com o volume e liquidez associado a NFTs com propósito puramente financeiro. 

Será o valor dos NFTs exclusivo à sua estética? Ou é também ele derivado à sua utilização como ativo financeiro?

O volume total no Opensea, um mercado usado quase exclusivamente para trocas de NFTs artísticos, desde maio 2021 que sofreu um aumento significativo. Em termos percentuais, o volume neste mercado cresceu mais de 3,000%, dos $140 milhões de dólares para um máximo mensal de $5 mil milhões de dólares em janeiro deste ano. Contudo, a performance do mercado caiu mais de 80% nos últimos meses, e em março de 2022 o volume total ficava na ordem dos $2,5 mil milhões de dólares.

Já os NFTs que são usados como ativos financeiros (moedas depositadas em pools de liquidez), tinham um volume transacional nas últimas 24 horas de $1,43 mil milhões de dólares, e um total depositado superior a $5 mil milhões de dólares.

Portanto o volume diário de moedas que circulam em pools de liquidez apenas na Uniswap representa metade do volume mensal da Opensea. E o valor total depositado na Uniswap excede em quase o dobro o volume de trocas mensais da Opensea. 

Estes números não mentem e mostram-nos a realidade: há muito mais valor depositado em NFTs puramente financeiros, do que em NFTs aestéticos. 

 

Conclusão

O que são NFTs? Serão apenas ativos digitais, tipo colecionáveis? Ou poderão ser a maior revolução tecnológica desde que a bitcoin e o ethereum foram criados?

Aguardo pacientemente convosco que o tempo nos responda. Mas pelo andar da carruagem, metia fichas em como os NFTs vão ser uma das tecnologias dominantes nos próximos cinco a dez anos, e essenciais a todo o tipo de serviços dentro e fora do ecossistema cripto.