O des-ensino escolar programado

E se a ausência de exigência, o facilitismo, são a causa determinante da tragédia, um seu instrumento é a natureza, a pura falta de legibilidade e a quantidade excessiva (quilos) de manuais escolares. 

Por Simão Infante – O colaborador ocasional

Para o Francisco José Viegas 
 
«O conhecimento é o destino do homem».
Carl Sagan

 
A tragédia persistente da escola – a ignorância, o desinteresse pelo conhecimento e pela cultura – tem sido prolongada. Tão prolongada que se tornou uma banalidade e por isso já quase ninguém repara nela. Até porque aumenta todos os dias o número de portugueses que nasceram e cresceram nesta tragédia, que são fruto dela.
Os baixíssimos índices de leitura e de são uma manifestação e simultaneamente uma causa dessa tragédia. Realidade que se reflete na quantidade e na banalidade crescente dos géneros e da generalidade dos livros que têm mais procura – e que, por isso, os editores têm de publicar. 

E se a ausência de exigência, o facilitismo, são a causa determinante da tragédia, um seu instrumento é a natureza, a pura falta de legibilidade e a quantidade excessiva (quilos) de manuais escolares. Manuais que os programas decretados e a ideologia veiculada por sucessivos ministérios ditos da Educação obrigam os editores escolares a produzir. Querem uma prova?

Abram um qualquer manual de História – do 8.º ano de escolaridade, por exemplo –, esqueçam tudo o que sabem da matéria e tentem entrar no seu conteúdo. Tentem ler o texto, perdido no meio de uma trapalhada de bonecada infantilizadora. Os miúdos são tratados como idiotas. Ora, trate-se um miúdo como um idiota e eis um idiota.
Nem peço, caros leitores, que tentem compreender, mas tão-somente ler. Vejam se minimamente lhes apetece ler… aquilo. Se encontram um fio condutor, se conseguem reter algo consistente.

A generalidade dos alunos a quem é pedido esse exercício não só não aprenderá História, mas – aposto! – só por milagre quererá voltar a ver um livro à sua frente.

E quantos livros para cada disciplina levam os nossos miúdos para a escola? Um escândalo. Pressinto que não poderão usar nenhum a sério. A responsabilidade é do Ministério. Como não é por acaso ratificarem tais manuais 
Estudar é um exercício. Desde logo, de leitura. E de concentração, tal como a leitura também é. Estudar é trabalho, não é brincadeira. Brincadeira como o Ministério até parece querer que seja.

À força do facilitismo que impõem para tornar todos os miúdos iguais, diminuem todos. Todos os que não podem escapar à ação evangélica purificadora do Ministério. Tornando ainda mais desiguais os que entram na escola em desvantagem pelo acaso da genética ou pelo meio social ou cultural. Para os quais tardam ou são limitados os apoios próprios imperativos. A prova? Em Portugal as desigualdades têm aumentado sempre em cada ano! 
Iniciativas fora do currículo, meu caro Francisco, como o Ler+ – independentemente das intenções de quem o criou –, são quase inúteis.

Salva-se o trabalho admirável de professores na direção de bibliotecas escolares, recuperando o desejo de saber natural dos miúdos e dos jovens, mobilizando colegas. Conquistados eles próprios pela paixão da leitura, transmitem-na aos alunos. Fazem milagres. 

As evidências do resultado acumulado da tragédia que refiro veem-se a olho nu à nossa volta. E o país sofre-as, duramente.

Anular, frustrar professores que o querem ser mesmo, levar a desistir os que ainda há e vão surgindo, os raros heróis que resistiram e vão resistindo a estes anos de humilhação e barbaridade – querem saber como se fez e faz? Perguntem aos sucessivos ministérios da Educação. Todos, de alguma maneira, saberão responder.

Hoje, o Ministério está (também nominalmente) nas mãos de quem se diz ser, porventura, o maior perito na teoria e na aplicação da praga. Nas mãos, ou melhor, nos pés.