Não há transportes grátis

Dar benefícios às pessoas não custa, o que custa é exigir-lhes sacrifícios. Será fácil para Moedas levar por diante medidas como esta; o problema vai ser quando o município tiver de tomar decisões impopulares.

Há quatro semanas, a Câmara de Lisboa decidiu oferecer transportes gratuitos aos jovens e aos idosos. Assim, as pessoas a partir dos 65 anos, ou com menos de 18 (ou de 23 ou 24. no caso dos estudantes universitários), passam a não pagar nada nos transportes públicos.

«É um dia histórico para a nossa cidade, uma vez que conseguimos algo inédito para os lisboetas», clamou o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, admitindo que «a tendência terá que ser transportes gratuitos para todos, mas isso não é possível num primeiro passo». A ideia, disse, é «caminhar nesse sentido».

Ora, pergunto: é um dia ‘histórico’ porquê? Dar benefícios às pessoas é fácil, não custa, o que custa é exigir-lhes sacrifícios. 

Carlos Moedas congratulou-se com o facto de a medida ter sido aprovada «por unanimidade». Pudera! Quem quereria ficar com o ónus da impopularidade? O problema vai ser quando o município tiver de tomar decisões impopulares. Aí, é que se irá ver quem está disponível para votar a favor.

Será fácil para Carlos Moedas levar por diante medidas como esta; mas terá grandes dificuldades em pôr em prática outras, menos simpáticas.

 

Além disso, dizer que uma coisa é ‘gratuita’, é uma falácia. Não há nada gratuito. Tudo tem um custo. Nenhum Governo, nem nenhum autarca dá nada a ninguém. Moedas não tira dinheiro do seu bolso para pagar os transportes que os idosos e os jovens deixam de pagar. Tornar uma coisa gratuita, significa apenas passar dinheiro de uma rubrica para outra num orçamento. Tirar de um lado para pôr noutro. Ou então cria-se mais um imposto ou uma taxa – e pagam todos o que apenas é usufruído por alguns. 

Falar em gratuitidade é pura demagogia. Há sempre alguém que paga aquilo que os políticos tornam gratuito. A questão é definir quem paga – se os beneficiários do serviço, se outras pessoas. 

Por regra, sou a favor do princípio do utilizador-pagador. Os cidadãos devem pagar aquilo que usam ou consomem. Claro que, definido o custo, há depois que abrir exceções para proteger os economicamente mais débeis, os que não podem mesmo pagar; mas essa deve ser a exceção e não a regra. 

Percebo que se façam passes com desconto para jovens; percebo que se façam passes com desconto para idosos; mas transportes gratuitos não. É um péssimo princípio.

E agradecer a um presidente de Câmara por ter implementado essa medida, ainda faz menos sentido. Repito: ele não dá nada, limita-se a gerir parcelas do orçamento camarário. 

Estando em claríssima minoria na Assembleia Municipal, Carlos Moedas está condenado a governar à esquerda. Tudo aquilo que cheire a austeridade, a rigor, a exigência será certamente chumbado. Estamos perante uma situação perversa: quem dá a cara pela Câmara de Lisboa é Moedas, mas quem a governa de facto é a esquerda. 

Para a direita, a situação é pior do que era no tempo de Fernando Medina. Sendo este o responsável pelas medidas que tomava, precisava aqui e ali de dizer que não. De impor uma gestão rigorosa. Ora, a atual maioria da Assembleia Municipal, não tendo a responsabilidade de governar, tenderá a só aprovar o que é simpático para os lisboetas e a chumbar tudo o que cheire a sacrifícios.

Ao anunciar publicamente a medida, Carlos Moedas sublinhou ainda que «há muito poucas cidades na Europa que já tiveram coragem de o fazer».

Mas, aí, ele deveria ter-se interrogado: porquê? Por que razão países ricos como a Alemanha não têm transportes gratuitos e nós já temos? 

Curiosamente, são muitas vezes os países mais pobres a avançar com estas benesses. E talvez sejam pobres exatamente por causa dessa forma de governar. O seu lema é facilitar, redistribuir, oferecer. Ora, para um país crescer, tem de funcionar exatamente ao contrário: acumular, investir, produzir.

 

Diga-se, a concluir, que os comentadores estão fartos de saber isso – mas não o dizem. É que muitos deles são também políticos e querem agradar aos ouvintes. Querem surgir perante o povo como ‘bonzinhos’. Por isso, aplaudiram invariavelmente uma medida que lhes deveria, pelo menos, merecer alguma reflexão. 

Pelas razões expostas, o mandato de Carlos Moedas, condicionado totalmente pela maioria de esquerda atuando em roda livre e sem a responsabilidade de dar a cara, pode vir a ser um desastre. Oxalá me engane.