Quando se esperava que Marcelo replicasse, talvez, as ‘Presidências Abertas’ de Soares ao tempo de Cavaco, para ‘compensar’ os efeitos da maioria absoluta socialista, eis que o país assistiu, estupefacto, às picardias trocadas entre o Presidente e o primeiro- -ministro, com a Ucrânia de permeio.
Se Marcelo fez de porta-voz do Governo, António Costa imitou-o e fez de porta-voz da Presidência. Uma tristeza, que deu azo a que um cómico se despedisse da antena da SIC, com um dos seus mais corrosivos programas, glosando o Presidente e o primeiro-ministro em alegre despique.
Estamos a ficar parecidos com um ‘país de opereta’. A sucessão de episódios, a nível político, é disso prova, enquanto no plano mediático ganham terreno questões menores, amplificadas pelas oposições de esquerda, em busca desesperada de causas.
Mas recapitulemos algumas coisas sérias: por causa de um acórdão do TC sobre a chamada ‘lei dos metadados’, cujas normas foram julgadas inconstitucionais, milhares de processos arriscam nulidades.
Alarmada, a PGR assinou um requerimento àquele tribunal no qual pedia a nulidade do acórdão e que a sua eficácia não tivesse efeitos retroativos. Na volta do correio, os juízes devolveram o requerimento à origem, informando, liminarmente, Lucília Gago de que «carece de legitimidade, processual e constitucional, para suscitar» esse incidente. Uma humilhação escusada.
O Governo socialista, que há muito conhecia a problemática dos metadados – alertado, até, pela provedora de Justiça –, ‘empurrou com a barriga’, no que é reincidente, embora tivesse como ministra da Justiça uma magistrada oriunda do Ministério Público, com obrigação de agir, em vez de deixar andar.
Longe desta polémica, o ex-banqueiro João Rendeiro, apareceu morto numa cela sul-africana, onde aguardava a extradição, após ter saído de Portugal sem ninguém dar por isso, apesar de condenado e com pena de prisão para cumprir.
Percebeu-se que a fuga nas ‘barbas da Justiça’ fora beneficiária de vários equívocos, mas o CSM, lesto, veio isentar de culpas os juízes afetos aos processos, declarando, «sem qualquer dúvida» que não tinham ‘enxergado’ (…) o mínimo indício de responsabilidade disciplinar relativamente a qualquer dos vários juízes de Comarca, da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça». E ponto final. Assunto arrumado.
Já José Sócrates passou a dedicar-se ‘a nova vida’ no Brasil, como consultor e amigo de Lula, sem ‘dar cavaco’ à Justiça, apesar de estar sujeito, como arguido e pronunciado, ao termo de identidade e residência.
Que se saiba, o recurso do MP, enviado há quase um ano à Relação, contestando a leitura feita do processo pelo juiz Ivo Rosa, «distorcendo os factos narrados na acusação», continua pendente. Em consequência, o julgamento de Sócrates e do amigo Santos Silva, na parte em que foram pronunciados, permanece adiado, enquanto a Relação não decidir o desfecho do recurso. É uma espécie de ‘pescadinha de rabo na boca’…
Coube à revista Visão revelar as «viagens secretas» de Sócrates ao Brasil, e a sua inscrição num doutoramento, aceite pela Universidade Católica de São Paulo, enquanto vai intervindo na pré-campanha de Lula à Presidência.
O mais provável é que a Universidade brasileira tenha ignorado – ou desvalorizado – as polémicas que, em 2019, rodearam o mestrado em Ciência Política do seu novo doutorando, e as suspeitas que recaíram sobre a tese.
É um novo capítulo na saga misteriosa sobre a origem do dinheiro que permite a Sócrates pagar viagens, advogados e recursos sucessivos.
Outro arguido de renome, Ricardo Salgado, embora avistado a passear na Sardenha no verão passado, não se esqueceu de cumprir a lei e de comunicar a ausência no estrangeiro.
Passaram quase oito anos desde que o Banco de Portugal tomou o controlo do BES e anunciou a sua separação em duas entidades distintas: o ‘banco bom’, que deu origem ao Novo Banco, e o ‘banco mau’, com os chamados ativos tóxicos.
Condenado em primeira instância num processo extraído da Operação Marquês, Salgado chegou a um beco da sua ‘via sacra’, se o recurso da defesa e o alegado alzheimer não o livrarem da prisão.
Por fim, o Presidente da República optou por uma nova leitura das suas competências neste segundo mandato.
Além de ‘comentar’ quase diariamente nas televisões tudo quanto ‘mexa’, chegou ao ponto de considerar que o país pode ser um «beneficiário líquido» por estar «longínquo da guerra» na Ucrânia, defendendo que «o inteligente é saber aproveitar essa ocasião». Sobraram as perplexidades.
Se tudo isto – juntamente com a exuberância presidencial na visita a Timor –, não for kafkiano, já não faltará muito.
Valha-nos a covid para ‘anestesiar’ os portugueses de forma a não perceberem que estamos a ficar um país ‘sem rei… nem roque’.