Mortalidade muito acima do esperado para o mês de junho

No dia 13 registaram–se 403 óbitos no país, o que só tinha acontecido em junho numa onda de calor em 1981. DGS admite que, além da covid-19, calor pode estar a condicionar período de excesso de  mortalidade. 

A mortalidade no país tem estado “muito acima do esperado” para o mês de junho, revela a Plataforma Nacional de Vigilância da Mortalidade (EVM) do Ministério da Saúde, que o i consultou. A situação, que já tinha ocorrido em maio, agravou-se nos últimos dias, com um excesso de 513 óbitos só na última semana, a maioria de idosos. A mortalidade por covid-19 mantém-se mais elevada do que há um ano, mas não explica todo o acréscimo de mortes. Nos últimos sete dias, registaram-se 254 óbitos atribuídos à covid-19, metade do excesso de mortalidade identificado.

Ao i, a Direção Geral da Saúde indicou ontem que a situação está a ser avaliada, tendo entre o final de maio e o início do mês sido identificados períodos de excesso de mortalidade associados ao aumento da mortalidade específica por covid-19. Nos últimos dias, a DGS admite que as “temperaturas acima do normal para esta época do ano” poderão “igualmente estar a condicionar o período de excesso de mortalidade observado em Portugal”, salientando que a situação está a ser acompanhada quer pela autoridade nacional de saúde quer pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. “É de extrema relevância salvaguardar que os dados sobre mortalidade geral, bem como os dados de mortalidade por causas, são dados provisórios, uma vez que a codificação (dos óbitos de 2021 e de 2022) ainda se encontra a decorrer e necessita de ser validada com o INE”, diz a Direção Geral da Saúde, respondendo às questões colocadas pelo i nos últimos dias. 

“Recordamos, a esse propósito, que em Portugal, a codificação das causas básicas de morte é um processo realizado de forma retrospetiva (análise das informações constantes nos certificados de óbito e, quando aplicável, nos outros documentos associados a um óbito como registos de autópsia e/ou boletins de informação clínica), obedecendo às recomendações da Organização Mundial de Saúde e realizado por técnicos especialmente treinados na aferição da causa básica de morte”, reforça a DGS.

Sinal de impacto da onda, mas pode haver outros fatores Se as causas estão assim por analisar em detalhe, a plataforma EVM mostra um agravamento da mortalidade nos últimos dias. Desde o início do mês a mortalidade para junho já estava acima do normal, com mais de 300 mortes diárias, mas esta segunda-feira registaram-se no país pelo menos 403 óbitos (a informação, proveniente dos certificados de óbito declarados no país, demora alguns dias a ser consolidada). Na terça-feira, terão morrido também mais de 400 pessoas em Portugal – à hora de fecho desta edição estavam contabilizados 396 óbitos no dia 14. A mortalidade por todas as causas não excedia os 400 óbitos diários em junho desde uma onda de calor ocorrida em junho de 1981, revelam dados do INE, que o i consultou. Foi uma das severas e mais estudadas ondas de calor em Portugal, em que chegou a haver dois dias com mais de 600 óbitos, algo sem paralelo em 40 anos e que só foi ultrapassado em janeiro de 2021, quando a covid-19 e uma vaga de frio levaram a vários dias sucessivos com mais de 700 mortes.

Pedro Sousa, meteorologista operacional do Instituto Português do Mar e da Atmosfera e investigador do Instituto Dom Luiz, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa – com vários trabalhos publicados nesta área, entre os quais um estudo recente sobre como o impacto de uma onda de calor no verão de 2020 foi “amplificado” pelo contexto da pandemia e possível menor recurso a assistência médica, – sublinha que existe, no padrão atual da mortalidade, um sinal de impacto do calor intenso dos últimos dias, salientando no entanto que a tendência de excesso de mortalidade já era anterior a este episódio metereológico. Atualmente, com uma média a sete dias de 367 mortes, a mortalidade está cerca de 40% acima do esperado, nota, salientando que esta altura do ano regista tradicionalmente o nível de mortalidade mais baixo do ano, com uma média de 260-270 óbitos. 

Para o investigador, o contexto pandémico e a mortalidade específica por covid-19, acima do ano passado, poderão ser alguns dos fatores explicativos. “Neste momento é mais difícil isolar o efeito de uma onda de calor por haver vários fatores ao mesmo tempo e o excesso de mortalidade já vinha de trás, mas nos últimos dias parece haver já o efeito da onda de calor”.

Pedro Sousa salienta que o impacto do calor na mortalidade está demonstrado em vários episódios de calor intenso e é expectável numa situação como a atual, com um efeito que tende a ser mais rápido do que o que se verifica em vagas de frio. Quando a temperatura está acima do normal, isso tende a repercutir-se na mortalidade poucos dias depois, explica. “Nas ondas de frio, o impacto costuma verificar-se duas a três semanas depois”, contrapõe.

 O aumento de acidentes cardiovasculares e a descompensação de doença crónica como diabetes ou de problemas respiratórios são alguns dos motivos estudados. 

Nos hospitais de Lisboa, verifica-se um aumento de complicações e complexidade de doentes que chegam às urgências, mas fonte hospitalar salienta que esta era uma tendência também já anterior a este episódio de calor. Os médicos notam um aumento de doentes com doença crónica menos controlada e vigiada nos últimos anos, em que houve menor acessibilidade aos cuidados primários.

Um relatório recente do Conselho das Finanças Públicas revelou, com dados da Administração Central do Sistema de Saúde, que no final de 2021 apenas 53,7% dos diabéticos tinham parâmetros controlados, -7,8 pontos percentuais (p.p.) que em 2019. Na hipertensão, 44,1% tinham parâmetros controlados (-9,3 p.p.) e, nas doenças respiratórias, 39,3% dos utentes com doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) tinham registo de exame de controlo realizado (-10,1 p.p. que em 2019).