A semana de quatro dias e outras fantasias

Com as suas declarações sobre a semana de 4 dias, António Costa abriu, pois, uma caixa de Pandora que nunca mais se vai fechar.

A Europa está mergulhada em enormes incertezas. Tudo está em aberto.

A globalização confrontou-nos subitamente com os seus fantasmas.

Tomámos consciência da grande dependência em relação à energia e em particular ao petróleo russo.

Vimos os riscos da deslocalização de grandes indústrias para outras zonas do planeta.

Voltámos a confrontar-nos com problemas de abastecimento alimentar.

Perfila-se uma nova guerra fria e a divisão do mundo em dois blocos, para já não falar de uma 3.ª guerra mundial.

Pois é nesta altura de grandes interrogações sobre o futuro que o primeiro-ministro vem falar da semana de 4 dias.

Dir-se-á que é apenas um estudo.

Mas todos sabemos como estas coisas funcionam.

Quando em fins do século XIX se começou a falar na folga ao domingo poucos acreditavam que fosse para a frente; mas a medida avançou e dentro em pouco alargava-se a quase todos os trabalhadores.

Veio, depois, a ‘semana inglesa’, já em meados do século XX. Só se trabalhava no sábado de manhã, deixando o resto do dia livre. De início, só vigorava em alguns setores, aqueles que podiam. Mas com o passar do tempo universalizou-se.

E hoje já quase ninguém trabalha ao sábado, nem de tarde nem de manhã.

Com as suas declarações sobre a semana de 4 dias, António Costa abriu, pois, uma caixa de Pandora que nunca mais se vai fechar.

Já não deixará de se falar no assunto.

Ora, como entender que, numa altura em que os europeus deviam mobilizar-se para enfrentar dificuldades, António Costa venha criar a ilusão de que a tendência não é para trabalhar mais, para fazer sacrifícios, mas para trabalhar menos?

Já vimos as consequências que teve para o SNS o regime das 35 horas na Função Pública (que, no dizer do ministro de então, não teria quaisquer repercussões).

Não chegou como amostra?

Mas não contente com isto, Costa veio também falar de um aumento de 20% do salário médio nos próximos 4 anos.

É certo que a recomendação é só para o setor privado e para algumas áreas.

Todos sabemos, porém, que isso não é possível: os sindicatos e os funcionários públicos têm hoje um grande peso na sociedade e são uma poderosa força eleitoral, pelo que o Governo não os pode penalizar.

António Costa vai ter aqui um sério problema.

No entanto, mesmo que a medida fosse só para os privados, continuaria a não se perceber a ideia.

Numa sociedade normal, o aumento de salários tem de ser precedido de um aumento da produtividade e da produção de riqueza.

Não se pode pôr o carro à frente dos bois.

Aumentar os salários à espera que, depois, a produtividade cresça ‘naturalmente’, é uma tremenda ingenuidade.

Se fosse assim, seria fácil pôr as economias a crescer: aumentavam-se os salários, os trabalhadores passavam a trabalhar mais e melhor, a riqueza crescia, os salários podiam voltar a aumentar e assim por diante.

Governar e fazer a economia crescer não custaria nada.

Com um estalar de dedos, tudo se resolveria.

Definitivamente, o enfoque do problema não pode ser este.

É preciso primeiro produzir para depois distribuir.

Já dizia Oliveira Martins em fins do século XIX: «Sem pesados sacrifícios não vamos passar da cepa torta».

Fazer o contrário, distribuir a riqueza sem a aumentar, é o caminho direto para o empobrecimento das nações.

Num tempo em que seria natural preparar os cidadãos para tempos em que o dia de amanhã não se sabe como será; em que a guerra na Europa levantou problemas novos ou trouxe à atualidade problemas velhos; em que os preços começam a disparar descontroladamente; em que os juros sobem; em que temos de poupar para investir e de dar mais atenção a certas áreas como as Forças Armadas – é neste tempo que António Costa vem dizer que podemos trabalhar menos e ganhar mais.

Muito mais.

É que um aumento de 20% do salário médio, conjugado com a redução de um dia de trabalho por semana, representará um aumento real dos salários de 40%.

Uma loucura!

Um dia em conversa com um ministro, perguntando-lhe eu por que não punha em prática determinada medida, respondeu-me:

– Uma das funções do Governo é dar à sociedade os sinais certos. Ora, essa medida, embora pudesse justificar-se, seria um sinal no sentido errado…

Não me compete interpretar o que levou António Costa a dizer o que disse nesta altura.

O que posso afirmar é que deu aos portugueses sinais completamente errados.

Num tempo de incerteza, quando seria de elementar prudência falar em dificuldades, acenou com facilidades.

A realidade não lhe perdoará.

P.S. – A falta de médicos no SNS não se resolverá com a subida de salários, pois é essencialmente um problema de organização.