Falta tempo para disparatar

Hoje a maioria dos jovens sai da escola onde passa o dia sob regras para se meter numa segunda escola que pode ser o apoio ao estudo, a natação, o karaté, o ballet ou mesmo estar em casa

Ouve-se dizer frequentemente que há muitas crianças e jovens sem limites, com pouca educação e falta de regras, mas aquilo a que assistimos é que desde tenra idade as crianças passam cada vez mais tempo sujeitas a cumprir regras e limites. Será que as duas coisas estão relacionadas?

Acompanho sempre com sentimentos ambivalentes as aulas de natação dos meus filhos mais novos. Gosto imenso quando as aulas lhes estão a dar prazer: quando descem pelo escorrega para a água, quando andam pelo fundo à procura de objetos que o professor atira, quando mergulham, brincam com a bola ou se equilibram nos colchões. Pelo contrário, revolta-me o exagero de regras e a subida do tom de voz do professor que às vezes ecoa na piscina. A bola não pode saltar para o outro lado, não podem saltar para a piscina, agora não é para brincar, não foi isso que eu disse para fazerem! Não deve ser fácil ser professor de natação de crianças. A piscina e a água estão associadas à liberdade e brincadeira, e conciliar isso com a aprendizagem não deve ser nada simples, ainda mais depois de um dia inteiro na escola. Felizmente é só uma vez por semana. Lembro-me de já andar no 6.º ano e preferir passar a aula de natação a tirar a touca, a brincar e a falar com a minha amiga Raquel do que a fazer o que o professor dizia. Claro, na escola o tempo para a brincadeira nunca era suficiente e quando nos víamos cá fora queríamos era galhofa!

Se há muito, muito tempo os jovens saíam da escola e faziam o que queriam, jogavam à bola onde calhava, faziam travessuras ou passeavam em bando livremente pela rua ou pelo campo, hoje a maioria sai da escola onde passa o dia sob regras para se meter numa segunda escola que pode ser o apoio ao estudo, a natação, o karaté, o ballet ou mesmo estar em casa. Não há tempo para transgredir, para fazer asneiras, brincar ou não fazer nada. E os adultos, cada vez mais em cima e mais controladores, censuram tudo o que os mais novos fazem, sempre preocupados com a segurança, educação e a imagem que passam.

Se correm atrás dos gatos saltam os direitos dos animais, se trepam às árvores podem cair, se jogam à bola na rua podem ser atropelados, se andam sozinhos podem ser raptados, se não atendem o telefone é o fim do mundo. A liberdade é cada vez menor, as regras e a censura ocupam um espaço cada vez maior e o controle é excessivo. 

Os mais novos não vão ser mais educados, mais respeitadores ou menos transgressores se tiverem os seus momentos de liberdade e asneiras. Já se cortarmos a irreverência, a espontaneidade, a liberdade, estamos a cortar também uma fatia importante da vida e do crescimento. As consequências disso irão variar de acordo com a personalidade e desenvolvimento de cada um. Em alguns casos até poderá dar origem aos meninos santinhos e sossegados que alguns pais desejam ter, mas por baixo dessa capa de sacerdote ficará uma parte importante da infância e juventude por explorar. Muitas vezes até ao dia em que, já sem a necessidade do consentimento dos pais, é descoberta fora de prazo.