Portugal inacabado. Alguns projetos mais perto de ver a luz do dia, outros arrumados de vez

Com a discussão do novo aeroporto em aberto e a feira popular de Lisboa cancelada, recuperamos estes e outros projetos abandonados ou ainda por sair do papel, em alguns casos com custos de milhões.

A Caparica de Cassiano Branco

Dos projetos que ficaram na gaveta, é dos mais icónicos. Proposto em 1930 pelo arquiteto Cassiano Branco, tinha então 32 anos, dava corpo à ideia de que a grande Lisboa se estenderia para lá do Tejo, o que só se concretizaria mais de 30 anos depois com a construção da ponte sobre o Tejo. O plano urbano da Costa da Caparica, uma ampla marginal até à Fonte da Telha, com um canal artificial, pontes pedonais para aceder à praia, dois hotéis, casino, cinema e até um teatro ao ar livre. Não teve apoio político ou financiamento, com as primeiras intervenções na Costa já só na década de 50, após um segundo projeto de urbanização de Faria da Costa. A Costa da Caparica nunca teve o glamour futurista que guardam os desenhos. O arquiteto que desenhou o Portugal dos Pequenitos, o Coliseu do Porto, os cinemas Éden ou Império, deixou ainda no papel na década de 30 um projeto para o que seria a Cidade do Cinema Português, em Cascais. 

 

Aeroporto de Lisboa

O início de toda esta história encontra-se nas páginas do Diário da República. A 8 de março de 1969, o Ministério das Comunicações cria o Gabinete do Novo Aeroporto de Lisboa. “Alguns anos depois de construído o atual Aeroporto de Lisboa começou a operar-se no mundo inteiro uma evolução rapidamente progressiva da técnica da aviação, conduzindo este meio de transporte à função preponderante que hoje lhe cabe na vida da humanidade”, justificava o diploma. “Após a guerra, entre 1959 e 1967, o tráfego de passageiros passou de 428000 para 1422000, e estudos de previsão recentes, feitos por firmas especializadas na matéria, anunciam que atingirão os 4 milhões de passageiros em 1975 e talvez 8,5 milhões em 1980”, continuava. “Impõe-se, portanto, enfrentar o problema rapidamente, tanto mais que o País não pode perder a posição privilegiada que tem quanto às comunicações aéreas, quer no plano internacional, quer no plano interno, como consequência da distribuição geográfica do seu território por vários continentes e da situação da metrópole na periferia atlântica da Europa”, rematava. Passam mais de 50 anos. No papel, o aeroporto já esteve na Ota, no Montijo, em Alcochete ou em Alverca, mas continua no mesmo sítio.

 

TGV no Poceirão

Dezembro de 2009: estava dado o primeiro passo para o TGV em Portugal, com o consórcio da Brisa e Soares da Costa a vencer o concurso para a construção do troço entre o Poceirão e Caia da futura linha de alta velocidade entre Lisboa e Madrid. A obra seria concluída em 2013, mas não foi. O projeto custou só nos primeiros 12 anos 153 milhões de euros, segundo uma auditoria do Tribunal de Contas em 2014, sem sair do papel. “O projeto foi iniciado sem ser possível aferir o custo-benefício para Portugal e o Estado não comprovou, perante o Tribunal, a comportabilidade dos encargos que decorriam do único contrato PPP assinado e ao qual foi recusado o visto prévio”, recordava então o TdC, invocando 120 milhões de euros despendidos em contratação externa em 12 anos de estudos e 32,9 milhões com a estrutura da RAVE, a entidade criada para coordenador o projeto. Sem contar com os processos de indemnização movidos concorrentes, que ainda duram. O contador está a somar de novo: A Infraestruturas de Portugal confirmou esta semana que contratou assessores jurídicos para dar início ao projeto de alta velocidade que vai ligar Lisboa-Porto. A primeira parte, entre Porto e Soure, está previsto ficar concluída entre 2026-2028 e permitirá ir de Lisboa ao Porto em menos de duas horas. O corredor sul, até Madrid, visa sobretudo transporte de mercadorias. 

 

Avenida da Ponte

Outro projeto de Siza Vieira que ficou na gaveta, desta vez na invicta, foi o da Avenida da Ponte, como é mais conhecida a Avenida D. Afonso Henriques. O primeiro desenho do arquiteto para dar um novo enquadramento à Sé do Porto remonta a 1968 e foi refeito após uma nova encomenda para a Capital da Cultura de 2001, na altura por Fernando Gomes, mas não chegou a materializar-se. Centrava-se na criação de um Museu da Cidade, ainda com uma livraria municipal, lojas e habitação. Em 2019, o arquiteto, citado pelo Público, disse não ter expectativas de que venha um dia a avançar. “Aquilo é uma espécie de porta da cidade e tem um ar abandonado (…). Felizmente temos a intervenção do Távora junto à Sé, que faz uma espécie de pontuação, uma espécie de ponto e virgula porque não acaba. Não percebo porque é que esse projeto [o de Siza Vieira] foi chumbado”, disse em 2014 Souto Moura.

 

Disneylândia em Portugal

Se a não existente Feira Popular de Lisboa volta a estar na ordem do dia, é preciso recuar aos anos 80 – ainda os carrosséis giravam animadamente em Entrecampos – para lembrar uma ideia ainda mais ambiciosa. O FMI tinha aterrado em Portugal para a segunda intervenção em julho de 1983 e, num Conselho de Ministros de setembro, o ministro do Turismo Álvaro Barreto propõe-se a relançar o turismo nacional com um conjunto de medidas, entre as quais o estudo da instalação da Disneylândia, que então já fazia magia nos Estados Unidos, “a localizar provavelmente na costa de Grândola”, davam conta as primeiras notícias publicadas pelos diários da altura. Muitas preocupações mantêm-se hoje, com a seca que na altura motivava medidas de urgência em 16 concelhos. Mas se nesse campeonato as necessidades de resolver a gestão da água se mantêm, a Disney europeia abriu em Paris em 1992 e o grande parque em Troia não viu a luz do dia.

 

A sina do IP3

Inaugurado em 1991 por Cavaco Silva, com o objetivo de ligar a Figueira da Foz a Chaves, tornou-se um dos símbolos do abandono do interior do país. No início deste mês, a Associação de Utentes e Sobreviventes do IP3 e a FENPROF juntaram-se numa “contra-inauguração” de uma das últimas obras prometidas há quatro anos para requalificação da estrada e uma segunda fase para a Duplicação/Requalificação de Fornos/Souselas (IC2) ao Nó de Viseu (A25). “Anunciou-se um investimento de 134 milhões de euros para uma obra que devia estar terminada em 2022 e que, de acordo com o primeiro-ministro, obrigava o governo a optar entre a requalificação do IP3 e a recomposição da carreira docente. Passados 4 anos, os utentes, entre os quais se contam muitos professores, que precisam do IP3 para a sua vida diária, confirmam que a obra está quase toda por fazer”.

 

As torres de Siza Vieira na Sidul

As mega-torres de Siza Vieira para a antiga fábrica da Sidul em Alcântara foram um dos projetos abandonados já este século na capital. O projeto apresentado pelo Grupo SIL previa três torres com 105 metros de altura, 35 andares, mais altas que a Ponte 25 de Abril. Consideradas uma agressão ao perfil ribeirinho pelos críticos e por violarem o PDM, o processo arrastou-se e um ano depois, caiu de vez. “Neste ano, à espera de decisões sobre o projeto do arquiteto Siza Vieira, já perdi um milhão de contos (5 milhões de euros). Não posso esperar mais. Estão enterrados naqueles terrenos de Alcântara 14 milhões de contos e preciso de pagar aos bancos”, afirmou o empresário Pedro Silveira em 2004. As torres de Siza Vieira não viram a luz do dia, mas o projeto de construção de dois edifícios de escritórios e habitação acabou por avançar com mais uma mão, a Bedrock, e em 2018 levou à demolição de um mural de Vhils. Os ALLO – Alcântara Lisbon Offices ficaram com sete pisos, prevendo-se a conclusão no final deste ano.

 

A torre de Norman Foster

O projeto de uma torre de Norman Foster para o quarteirão da Boavista, na zona de Santos, em Lisboa, foi outro que não viu a luz do dia. Inseria-se numa proposta de recuperação do aterro na freguesia de S. Paulo, onde se incluída a torre de 30 andares. Pretendia “recuperar o que de melhor tem a tradição da cidade com a sua renovação sustentada, numa zona onde a escola do design já marca presença”, defendeu o arquiteto britânico. Depois desta torre, houve outra envolvida em polémica: uma torre de 60 metros na Avenida Almirante Reis, que acabou por cair no projeto aprovado para o quarteirão da Portugália no ano passado.

 

Manhattan de Cacilhas 

Na senda dos castelos no ar, não podiam faltar os que envolveram o antigo estaleiro da Lisnave na Margueira, em Almada. Há 20 anos, havia dois projetos: construir ali a Manhattan de Cacilhas e uma torre biónica. A Manhattan de Cacilhas, apresentada em 1999 com arranha-céus de 100 metros e viria a ser recusada pela autarquia e pelo então ministro do Ambiente José Sócrates no virar do milénio. “É uma solução completamente desadequada, com grande impacto paisagístico e ambiental, que é muito negativo no nosso ponto de vista, e que não resulta de uma opção de ordenamento do território, nem à escala local, nem à escala metropolitana”, defendeu Sócrates. Foram precisos mais 10 anos para surgir um projeto mais realista: a Cidade da Água, oficializado em 2019, mas que ainda não se materializou. No ano passado a NOVA anunciou o Almada Innovation District, que arrancou com a renovação de um polidesportivo no campus da Faculdade de Ciências e Tecnologia.

 

Ocean Campus 

Apresentado em 2019 pela ministra do Mar Ana Paula Vitorino, o projeto Ocean Campus Portugal prevê a requalificação urbana e ribeirinha da zona entre Pedrouços e a Cruz Quebrada, num investimento de 300 milhões de euros. Com previsão de conclusão para 2030, numa primeira etapa, até ao final deste ano, foi apontada a construção da marina de Pedrouços, a criação de um Ocean Lab, residências para investigadores e cientistas e restauração. Neste momento ainda não há obras em curso. Este ano, em março, a Câmara Municipal de Lisboa anunciou o primeiro passo para o projeto do Hub do Mar, num edifício que será chamado de Shared Ocean Lab, com a candidatura a financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência em 31 milhões de euros.

 

Teleférico no Gerês

Dando um salto ao Norte, uma proposta polémica é a ideia de construir um teleférico para ligar a Vila do Gerês ao miradouro da Pedra Bela. A intenção foi avançada no ano passado pelo presidente da Câmara de Terras de Bouro, para retirar trânsito automóvel da zona, e já foi apoiada publicamente pelo presidente da Turismo do Porto e Norte de Portugal. Esbarra no entanto no Plano de Ordenamento Parque Nacional da Peneda-Gerês, que não permite estes equipamentos. “Perguntem aos terra-bourenses se são contra ou a favor do teleférico, perguntem às pessoas que cá moram, porque isto é muito bonitinho mandar de Lisboa nos territórios dos outros com todas as condições à porta. Digo e repito: enquanto presidente da Câmara, se quiserem que seja figurante, venho de manhã, saio à noite e não faço nada. Nós não somos figurantes”, defendeu no ano passado ao i o autarca.

 

Terceira travessia do Tejo

Não é de agora que a terceira travessia sobre o rio Tejo é considerara prioritária. De acordo com as últimas declarações de Pedro Nuno Santos falta investimento para esta infraestrutura avançar que de acordo com as palavras, do ministro das Infraestruturas estaria não só nos planos do Executivo, como também Programa Nacional de Investimentos 2030. É certo que continua a esperar por melhores dias. Uma questão que ganha maior revelo quando se fala na fatura localização do aeroporto.

Esta ponte que esteve previsto para Chelas/Barreiro durante o tempo de José Sócrates no quadro do projeto do TGV foi suspensa há mais de dez anos por causa da crise financeira do Estado. Em maio de 2010, este projeto foi cancelado por necessidade de redução dos grandes investimentos públicos. Neste mês, também foi cancelado
o projeto para o futuro aeroporto de Alcochete.

 

Hospital de Lisboa Oriental

Previsto há mais de 20 anos como solução para os seis hospitais no centro da capital, a inauguração chegou a estar prevista para 2023, mas a construção ainda não arrancou. Em abril, a ministra da Saúde anunciou que a adjudicação da maior obra em anos do SNS era esperada em julho, aguardando-se desenvolvimentos. Em março, o Eco noticiou que o relatório preliminar do júri o concurso internacional dava vantagem à Mota-Engil, com as obras a iniciarem-se no próximo ano, que em 2017 se pensou que seria o ano de abertura de portas. Foi anunciado como uma PPP apenas para a construção, ao contrário do que aconteceu com os últimos hospitais públicos construídos por privados, cuja gestão tem regressado entretanto à esfera pública – sobra a PPP de Cascais. O novo hospital, projetado para  Chelas, demorará pelo menos três anos a ser construído, pelo que se não houver mais derrapagens – o cenário atual na construção é propício a isso – só depois de 2025.

 

Novo campus da justiça 

A ideia de uma solução para os tribunais de Lisboa, face ao elevado custo das rendas do atual campus no Parque das Nações, foi levantada em 2017 pelo Governo: são 12 milhões de euros anuais em rendas para ter a justiça a funcionar nesta zona da cidade. Na altura, chegou a falar-se de criar uma cidade judicial de raiz. O atual contrato de arrendamento, assinado em 2008, acaba em 2026. Uma das soluções apontadas em 2019 foi poder ser aproveitado o edifício central do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), em Campolide.

 

Sistema de Mobilidade do Mondego

Está agora a avançar mas há 30 anos que é apontado como solução para substituir o ramal ferroviário da Lousã, conhecido como a linha de Arganil, desativado ao fim de 103 anos a servir a população em 2010. Entretanto passou uma década e nem comboios nem alternativas. Em 2016, uma petição com mais de 8 mil assinaturas de cidadãos do distrito de Coimbra pedia a reposição do ramal da Lousã, o que não aconteceu. Entretanto refez-se o projeto do Sistema de Mobilidade do Mondego, com o Governo a autorizar no ano passado encargos plurianuais no valor de 129,8 milhões de euros, acima do inicialmente orçamentado. A operação na zona urbana de Coimbra está previsto arrancar no final de 2024, sendo que o sistema fará a ligação entre Serpins, Lousã e Miranda do Corvo. Esta semana houve mais um desenvolvimento, com a Câmara de Coimbra, a Metro Mondego e IP a finalizar protocolos para a utilização dos bens imóveis integrados no domínio público ou privado municipal abrangidos pela obra. 

 

Ponte da Avenida da Liberdade

E se uma ponte atravessasse a avenida da Liberdade para ligar as colinas de Lisboa? Era uma das propostas incluídas no projeto Valis no início dos anos 90, que não foi implementado. Seria uma ponte para peões, pensada pelo ateliê do arquiteto Manuel Graça Dias.