Falta de polícias? “O problema é o envelhecimento na Administração Pública”

O encerramento da esquadra do Infante, no Porto, tem suscitado elevada preocupação. Afinal, o que está em causa? Será a falta de efetivos? Na ótica de David Ferraz e Cláudia S. Costa, professores universitários de Administração Pública, a questão é muito mais profunda e estrutural, tendo de ser analisada através de vários fatores.

“Esta questão tem a ver com três razões: a evolução da própria população, os índices de criminalidade e os ganhos de eficiência que, pelas tecnologias de informação, automatização de serviços e processos, não exigem determinados recursos”, explica David Ferraz.

“Diria que, neste contexto, seria razoável, determinar-se uma redução do número”, afirma, aludindo ao encerramento que surpreendeu o próprio autarca do Porto.

Em declarações à agência Lusa, o presidente da Câmara do Porto reagiu ao edital publicado naquela esquadra da baixa da cidade, no qual se lê que “por imperativos de ordem operacional o serviço de atendimento ao público está suspenso até às 16:00”. E foi exatamente isso que José Luís Carneiro referiu aos jornalistas no rescaldo de uma reunião com a direção nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP) no Comando Metropolitano de Lisboa para análise da gestão do efetivo e das infraestruturas policiais.

“Temos de fazer uma análise mais fina para perceber se são agentes que fazem policiamento de rua ou pessoas que estavam em funções de secretariado. Tem a ver com uma questão de organização interna: há agentes que tratam de questões mais burocráticas e contam na mesma para estes números”, diz David Ferraz, doutorado em Políticas Públicas pelo ISCTE-IUL (2018) e Professor Associado na mesma instituição.

“Em 2015, a PSP, em todas as carreiras, tinha 22.007 profissionais. Em 2020, eram 19.833 e a previsão era de 20.042 para o ano passado, segundo o plano de atividades desta força de segurança. Hoje podemos prever índices de criminalidade, de perigo, informações secretas, antecipação de ação de violência…  Esta redução não é substancial”, observa o investigador, adiantando que “o efetivo diminui em termos absolutos, mas em termos efetivos” face aos fatores que mencionou, “nem tanto”.

“O que temos de ter em consideração: há a necessidade, a prazo, a cinco anos, de substituir um efetivo cada vez mais envelhecido face àquele que existe hoje. Não é tanto a redução que foi feita, é admissível. O problema é que existe uma população muito envelhecida na Administração Pública, à beira da reforma em grande parte dos casos, e para substituir aqueles que vão saindo será preciso trabalhar a vertente da cultura porque teremos um fosso intergeracional. Não há uma geração mediadora. É o efeito de duas décadas de restrições neste setor”, constata o docente.

 Cláudia S. Costa, professora adjunta e doutora em Ciências da Administração concorda: “Nos últimos tempos, tem sido amplamente noticiada a falta de médicos em várias urgências de obstetrícia de vários hospitais espalhados pelo país. Ainda este problema está em fase de (tentativa) de resolução, e há um novo alerta para a falta de trabalhadores na Administração Pública: a falta de agentes na PSP. Esta situação ganhou destaque com o encerramento da esquadra da PSP da baixa do Porto ou, como prefere o Ministério da Administração Interna, a suspensão do atendimento até às 16h da tarde, acrescentando ainda que não se trata da primeira vez que tal situação acontece. Ora, será que de facto esta situação é perfeitamente normal e não temos razão (nós cidadãos) para nos preocuparmos? Ou será que o problema é bem maior e a estrutura da PSP precisa urgentemente de uma reforma/reorganização?”, questiona a diretora do mestrado em Administração Autárquica da Escola Superior de Comunicação, Administração e Turismo do Instituto Politécnico de Bragança (EsACT-IPB).

“Se refletirmos bem, notícias mais antigas parecem apontar para um problema que neste momento é mais estrutural do que transitório; e que se resume à crescente falta de atratividade para a carreira. Faltam candidatos à PSP, faltam agentes novos, faltam condições laborais condignas com o exercício da profissão, falta a valorização do estatuto de agente de autoridade, e falta a verdadeira proteção daqueles que todos os dias se colocam em risco (e arriscam) pela segurança de todos nós”, indica a docente. “Se o Governo não consegue e não deve, acima de tudo, fazer esta reforma de forma isolada. Se calhar, e mais uma vez, talvez os nossos municípios tenham voz nesta matéria e possam, de uma forma partilhada, com o Governo contribuir para a tão desejada reforma/reorganização, uma vez que estas são também matérias de competência municipal”, conclui.