Escrito nos astros…

Dir-se-á que Santos Silva é um ‘produto’ típico de uma certa esquerda de matriz universitária, que decidiu utilizar o Parlamento como alavanca para as suas aspirações presidenciais, já esquecido de antecedentes, nem sequer longínquos, quando ‘batia com a mão no peito’, jurando o seu amor pela carreira académica, na qual supostamente queria terminar a vida…

Estava escrito nos astros que não bastava a Augusto Santos Silva chegar a segunda figura do Estado, depois de cirandar por vários ministérios, desde os governos de António Guterres, a José Sócrates e a António Costa, com uma invejável versatilidade, em pastas tão diferentes como a Educação, a Defesa, a Cultura, os Assuntos Parlamentares ou os Negócios Estrangeiros. Um ‘pau para toda a obra’…

A quatro anos de distância das eleições presidenciais, entrevistado pela RTP-2 – para ‘compor o ramalhete’, após a sua desastrosa atuação como presidente da Assembleia da República no debate sobre o estado da Nação -, Santos Silva achou oportuno ‘não rejeitar nada’, quando foi questionado sobre a hipótese de ser candidato a Belém. 

Se alimenta essa ambição, ao que tudo indica, está a cometer, à partida, ‘erros de palmatória’, quer pelos ‘deslizes’ na gestão dos trabalhos parlamentares, quer pela soberba com que trata o Chega e, em particular, André Ventura, papel que não cabe no perfil do cargo.

Nessa matéria, Santos Silva imita, de resto, o seu antecessor, Ferro Rodrigues, que se entreteve, também, a hostilizar Ventura, com a diferença dele ter deixado de ser um deputado isolado na bancada para representar a terceira força na Assembleia.

Com o seu viés ideológico bem conhecido, desde os tempos do trotskista, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros esqueceu depressa a diplomacia para se aplicar no uso imoderado do ‘cacete’ na arte de ‘malhar’ que tanto aprecia. 

Pelos vistos, nem se apercebe da asneira e do favor que presta ao Chega, ao lidar com mal disfarçado azedume com um partido eleito por quase 400 mil portugueses, goste-se ou não do estilo ou das suas ideias.

Desta vez, o incidente com Ventura provocou uma atitude inédita, com o grupo parlamentar do Chega a abandonar, em bloco, o hemiciclo, enquanto Santos Silva se reclamava ‘guardião’ da democracia, aplaudido pela bancada socialista, que nunca lhe regateia apoio. 

Dir-se-á que Santos Silva é um ‘produto’ típico de uma certa esquerda de matriz universitária, que decidiu utilizar o Parlamento como alavanca para as suas aspirações presidenciais, já esquecido de antecedentes, nem sequer longínquos, quando ‘batia com a mão no peito’, jurando o seu amor pela carreira académica, na qual supostamente queria terminar a vida profissional ativa.

Essa ‘oração’ de falsa renúncia à política, lembra a do sindicalista (profissional…) Mário Nogueira, que já anunciou, várias vezes, a intenção de se afastar da Fenprof e de retomar a docência no ensino básico, do qual se ausentou há mais de 20 anos, embora, estranhamente, continue a obter boas notas de avaliação de desempenho…

Ao contrário de Marcelo Rebelo de Sousa, catedrático de Direito respeitado e admirado pelos seus alunos, Santos Silva nunca alcançou tal notoriedade, nem como académico, nem como ‘comentador’ residente na TVI, donde foi, aliás, afastado, em 2015, pelo então diretor de informação, que alegou tê-lo «despedido por ser malcriado».

De facto, Santos Silva é um homem de ‘língua afiada’, que, além de gostar de ‘malhar na direita’, soube defender, sarcástico, que Cavaco Silva (à época Presidente da República), deveria abster-se de condecorar Sócrates, porque «ele não merece tamanha nódoa no seu currículo», pois «haverá certamente, dentro em breve, um Presidente merecedor da honra de condecorá-lo».

Enganou-se no seu desvelo em relação a Sócrates. Nem Cavaco o condecorou, nem Marcelo quis ter, até agora, essa ‘honra’, apesar de ser ‘mãos largas’ nesse capítulo.

É óbvio que quem cultivou, tão ardorosamente, a condecoração de Sócrates – acusado pelo Ministério Publico de não poucos crimes -, tem a ‘pedra no sapato’. E espera que ninguém se lembre disso, sobretudo depois de António Costa reconhecer, já este ano, que «ele, de facto, aldrabou-nos [ao PS]», o que não andou longe de João Galamba – outro ex-socrático indefetível -, que ‘virou a casaca’ e que, em 2018, já achava que Sócrates «envergonha qualquer socialista».

Que se saiba, até hoje, Santos Silva não seguiu o exemplo de correligionários do partido, nem se retratou. Confiará, talvez, que tão acrisolada admiração por Sócrates seja algo que ‘tudo o vento levou’… 

Mas convirá que modere o ‘apetite’, enquanto putativo candidato a Belém e não se exceda a admoestar deputados, sejam de direita ou de esquerda, porque nem é ‘mestre escola’, nem é essa a função do presidente como árbitro do Parlamento.

É que Ventura e o Chega agradecem. E nem Santos Silva é o «dono do Parlamento» (como já foi escrito…), nem o caminho para Belém lhe garante um andor, entre vários possíveis candidatos que, seguramente, dispensarão a ‘honra’ de condecorar Sócrates. A menos que seja ele próprio a fazê-lo, se lá chegar… Ou Lula da Silva, se for reeleito no Brasil…