A viagem redentora do Papa ao Canadá

O Papa Francisco visitou o Canadá, onde deu voz a um pedido de desculpas pelo papel da Igreja Católica na criação de escolas residenciais no país, que promoviam a ‘assimilação’ de crianças indígenas na sociedade canadiana, alegadamente destruindo a sua própria cultura e as suas próprias línguas.

O mundo vive um momento de tensão global, quer pela invasão russa da Ucrânia, quer pela crise económica que assola o mundo com taxas de inflação a bater recordes, passando ainda pelo meio de uma onda de calor na Europa e nos Estados Unidos que parece ser a ‘cereja no topo do bolo’.

Uma imagem, no entanto, fez manchetes ao longo de toda esta semana: o Papa Francisco, que viajou até ao Canadá, foi fotografado com um adorno indígena na cabeça, quando se encontrou com representantes de diferentes comunidades indígenas no país, nomeadamente First Nations, Metis e Inuit.

O propósito da viagem? Pedir desculpa pela cooperação da Igreja Católica com a política «catastrófica» do Canadá de criação de escolas residenciais indígenas, alegando que a assimilação forçada dos povos nativos à sociedade cristã destruiu as suas culturas, separou famílias e marginalizou gerações.

«Lamento profundamente», disse o Papa, no local onde em tempos existiu uma antiga escola residencial em Maskwacis, perto de Edmonton. Um pedido de desculpas que, garantiu, será o primeiro passo de uma «investigação séria» sobre os abusos, que deverá agora avançar.

«Tristeza, indignação e vergonha» foram os três adjetivos utilizados pelo Pontífice para descrever as ações de muitos membros da Igreja Católica Romana, que administravam e geriam  a maioria das escolas residenciais no Canadá, que considerou terem sido um «erro desastroso», pedindo perdão «pelo mal cometido por tantos cristãos» contra os povos indígenas.

 

Bom, mas não o suficiente

Vários membros das comunidades indígenas do Canadá ouviram as palavras do Papa Francisco, e um sentimento reinou entre os mesmos: foi bom ouvir o pedido de desculpas, mas poderá não ser o suficiente para sarar as feridas.

«Acho que provavelmente muitos sobreviventes ainda estão bastante zangados»_, disse Bruce Allan, um dos sobreviventes destas escolas residenciais, à BBC.

 

Contextualização

Durante mais de um século, a partir de 1831, milhares de crianças indígenas no Canadá foram separadas das suas famílias e forçadas pelo Governo a frequentar instituições residenciais administradas por igrejas cristãs, sendo que, até que a última fechou, em 1998, cerca de três quartos dessas escolas estavam sob a administração da Igreja Católica, segundo dados citados pela CNN.

O próprio Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, admitiu, em setembro de 2021, que pelo menos 150 mil crianças indígenas sofreram o impacto deste programa, um pouco por todo o país. Mais de 4 mil crianças terão morrido nestas mesmas escolas, revela um relatório de 2015 da Comissão de Verdade e Reconciliação do Canadá. Um dado que ganhou nova relevância quando, em junho de 2021, a comunidade Tk’emlúps te Secwépemc descobriu os restos mortais de 215 crianças que frequentavam a antiga Kamloops Indian Residential School.