As dificuldades dos bombeiros

Os bombeiros portugueses continuam reféns da dicotomia entre o modelo secular de associativismo e o caminho para a profissionalização

por Alexandre Faria 
Escritor, advogado e presidente do Estoril Praia

Nesta altura do ano, perante os milhares de hectares dizimados pelas chamas em vários países europeus, é inevitável pensar nos bombeiros, nas suas corporações e associações humanitárias, sendo recorrente caírem no esquecimento quando a época dos fogos diminui a sua intensidade, deixando por resolver questões estruturais da sua importante atividade em prol das populações.

Como agentes de proteção civil, treinados para atuar e responder em caso de incêndios florestais, urbanos e industriais, as suas funções estenderam-se, ao longo dos anos, para praticamente todas as áreas de intervenção na defesa dos cidadãos. Longe vão os tempos dos primitivos centros onde o homem sentiu a necessidade de prevenir e regular o fogo quando este se voltava contra si ou quando o Imperador César Augusto entendeu criar um grupo que salvaguardasse a segurança perante os grandes incêndios que devastavam Roma. E, tal como o toque a rebate dos sinos das igrejas se foi substituindo pelas sirenes dos quartéis, os bombeiros evoluíram para a resposta, hoje em dia, a missões tão decisivas como emergências médicas pré-hospitalares, salvamentos aquáticos, desencarceramentos em acidentes rodoviários e ferroviários ou à relevante prevenção, sempre em respeito pelas necessidades da comunidade.

Em pleno século XXI, os bombeiros portugueses continuam reféns da dicotomia entre o modelo secular de associativismo e o caminho para a profissionalização, entre o estatuto de voluntário ou de remunerado, sendo os únicos protagonistas sem uma estrutura de comando própria, inseridos entre a coordenação de operações de socorro e o comando dessas mesmas operações. Continuam assentes na tradição portuguesa de voluntariado, sendo previsível que se mantenham nesse formato durante largos anos, face à incapacidade orçamental do Estado de assegurar uma transição dos corpos de bombeiros voluntários por profissionais nos 308 municípios portugueses.

Sem a possibilidade de uma solução imediata para uma carreira própria global, a qualidade do serviço garantida pelos bombeiros necessita de um forte incentivo regular entre a administração central, a administração local, os bombeiros e os seus dirigentes associativos, de modo a permitir que existam os recursos necessários para atuarem da melhor forma e sempre que a nossa sociedade precisa.

Ao empenho visível do Ministério da Administração Interna, seja pelas candidaturas ao abrigo do PRR, seja por apoio direto, terá de juntar-se o devido reconhecimento por parte do Ministério da Saúde em relação ao INEM, atendendo ao facto de cerca de 80% a 90% desses serviços serem prestados pelos bombeiros. E nesta permanente necessidade de mais e de melhores meios de atuação para a defesa das vidas humanas, que ninguém questiona, o apoio das autarquias locais é imprescindível, em complementaridade aos restantes gabinetes governativos.

Só deste modo, atendendo ao circunstancialismo que nos rodeia, estaremos a reconhecer como heróis aqueles que avançam na direção das labaredas quando todos fogem, fazendo-o em nome de um altruísmo que nos transcende, em proveito do bem comum.