As inadmissíveis tranças de Rita Pereira

Rita, refreie os seus ímpetos multiculturais, mesmo que a sua intenção seja a de homenagear outras culturas, pois há sempre quem se ofenda e detenha o monopólio da indignação.

por João Cerqueira
Escritor

 

Portugal está cada vez pior. Não são apenas os dois alunos de Famalicão que precisam de aulas de Cidadania e Desenvolvimento. A atriz Rita Pereira também precisa – e em dose intensiva. Por alguma razão insondável, Rita atreveu-se a colocar no seu cabelo umas tranças de inspiração africana e decidiu exibi-las nas redes sociais. Ora isto é inadmissível. Além de cometer o crime de Apropriação Cultural, Rita decide exibi-lo publicamente. Se colocasse as tranças fechada no seu quarto, sem ninguém ver, já seria mau. Mas mostrar as tranças ao mundo, ainda por cima a dançar, isso já implica uma premeditação malsã.

Naturalmente, a ativista Mafalda Fernandes acusou a atriz de comportamento leviano e microagressão (julgo que pretendia dizer macro) pela tal Apropriação Cultural de um património que não lhe pertence. Ou seja, segundo a ativista dos direitos dos negros e das negras não pode haver misturas. O Presidente da Hungria disse algo semelhante há dias e outras figuras ilustres da História Europeia não poderiam estar mais de acordo. No entanto, nesta defesa da pureza cultural há uma exceção: as mulheres negras podem, sim, apropriar-se da cultura branca alisando o cabelo ou usando perucas sem qualquer problema. A ativista justifica esta aparente contradição com o facto destas negras estarem a tentar seguir a norma ocidental para escaparem às tais microagressões (deve ser macro) e evitar a discriminação. Que estas mulheres alisem o cabelo e o pintem de loiro apenas para se sentirem bonitas ou quererem mudar o visual, ou porque sim, tais possibilidades estéticas não parecem passar pela cabeça indignada de Mafalda Fernandes.

Seja como for, o problema da Apropriação Cultural foi identificado e não podemos ficar indiferentes. Rita Pereira retirou as tranças, mas isso não chega. Há muito mais a fazer. Porque, além dos brancos estarem a querer apropriar-se da cultura negra, também, nesta altura do ano, se querem apropriar dos seus genes. Refiro-me à moda de ir à praia para escurecer a pele.

Se não é admissível que as brancas usem tranças africanas, então também não podemos aceitar que milhões de portugueses queiram deitar-se ao sol para se apropriarem da herança genética dos negros. Porque, alguns e algumas ficam tão escuros que parecem realmente negros ou pelo menos mestiços. Imagine-se agora que depois de ficarem tão escuros resolviam colocar umas tranças africanas ou usar uma peruca com cabelo encaracolado. Tratar-se-ia de um duplo crime de Apropriação Cultural e Racial. Assim sendo, não resta outra alternativa ao Governo senão encerrar hoje mesmo as praias, proibir os solários e obrigar os cidadãos a usar protetores solares sempre que ponham um pé na rua ou abram uma janela. As únicas pessoas que poderão ser isentadas destas medidas civilizacionais são aqueles e aquelas cujos corpos – designados por copinhos de leite –, ao receberem a luz solar, se apropriam apenas da herança genética dos camarões cozidos. Tal como aos ingleses do Algarve, acontece-me justamente isso todos os anos.

O combate à Apropriação Cultural deve ainda ser alargado à gastronomia.

Eu, se não posso ser acusado de qualquer tipo de apropriação quando vou à praia – a indignação dos crustáceos ainda é aceitável – confesso que me tenho apropriado da cultura afro-brasileira quando cozinho. Tal como Rita Pereira gosta de tranças africanas, eu gosto de pratos como Moqueca de Peixe, Bobó de Camarão e Feijoada à Brasileira – pratos, ainda por cima, inventados por escravos. Cozinho-os regularmente e, Deus me perdoe, sirvo-os aos meus amigos com caipirinhas – que assim se tornam cúmplices desta infame Apropriação Cultural. Mas prometo emendar-me. A partir de agora, só irei cozinhar as receitas de Maria de Lurdes Modesto. Pizas, Massa à Bolonhesa e Linguini Nero com Gambas ficam suspensos até consultar o embaixador italiano.

Portanto, Rita, refreie os seus ímpetos multiculturais, mesmo que a sua intenção seja a de homenagear outras culturas, pois há sempre quem se ofenda e detenha o monopólio da indignação. No século XXI, viver em liberdade é isto mesmo: indigna-se quem pode, obedece quem deve. Assim, ainda que lhe custe, não coloque mais tranças africanas, não vista kimonos orientais e caso não resista a cozinhar uma Moamba de Galinha picante, afaste as fotografias das redes sociais.

Se a Rita quer realmente mudar de visual, porque não experimenta colocar na sua bela cabeça um daqueles barretes do Bailinho da Madeira que parecem ter uma antena? É verdade que aquilo dá uma aparência bizarra a uns e patusca a outros. Mas a si, gira como é, decerto que lhe vai ficar a matar. Depois, com o barrete na cabeça e em fato de banho, poderá mostrar os seus dotes de bailarina nas redes sociais para delírio dos seus fãs. E a única pessoa que se poderá indignar com esta Apropriação Cultural será o Dr. Alberto João Jardim – mas ele não pertence à Inquisição que a persegue.