Paula Rego. Museu está para durar

‘Não percebo o motivo pelo qual estão a fazer isto’, diz, ao Nascer do SOL, Nick Willing, um dos filhos de Paula Rego, desmentindo a eventualidade de a Casa das Histórias estar em risco. Tal como Carlos Carreiras fizera no i, a 27 de julho.

A Casa das Histórias Paula Rego não vai abandonar Cascais tão depressa. Pelo menos, até 2029. Apesar de, nesta sexta-feira, ter sido noticiado que o centro dedicado à obra da artista estará em risco de sair, a verdade é que, dois dias antes, numa crónica publicada no jornal i, já Carlos Carreiras deixara claro que existe uma «uma relação inquebrável» entre o museu e a Câmara Municipal de Cascais (CMC).

«Este não é um texto sobre Paula Rego. A singularidade da sua obra e a natureza escapista do seu legado será sempre mais bem tratada noutros espaços pelos peritos. Não tenho pretensão de ser connoisseur. Muito menos colecionador de arte. Por isso, limito-me a falar do que sei», começava o presidente da CMC, estranhando que «de tempos a tempos, por razões que a razão desconhece, há sempre quem procure a efemeridade dos holofotes à custa da Casa das Histórias Paula Rego (CHPR)». «De forma pouco imaginativa, são lançados feitiços que anunciam a perda do espólio, o esvaziamento da instituição e, como fatídico corolário, o encerramento do Museu», acrescentava o autarca.

«Para encontrar uma explicação para este estéril exercício de futurologia fatalista e obsessiva, temos de procurar as motivações no passado destas personalidades do mundo da cultura que, não raras vezes, estão associadas a projetos meritórios, quase sempre avultados, aos quais os portugueses foram incapazes de reconhecer a devida pertinência», dizia ainda, garantindo que o projeto inaugurado em 2009 terá continuidade. «O seu espaço nunca será ocupado. A sua perda ainda está a ser vivida intensamente pela família. O que torna ainda mais despropositadas, insensíveis e oportunistas as interrogações que alguns começam a plantar nos media sobre o futuro CHPR», frisou, lembrando que a instituição é administrada conjuntamente pela família de Paula Rego – através do seu filho Nick Willing –, pela Fundação D. Luís I e pela autarquia, «numa relação de excecional confiança, consistência e alinhamento, a Casa das Histórias é gerida ao abrigo de um contrato que se estenderá pelo menos até 2029».

 

CMC e filho de Paula Rego do mesmo lado

Ainda no artigo do i, Carreiras anunciava que «a família e a Câmara Municipal, através da Fundação D. Luís I, já têm previsto o prolongamento do contrato por um período de mais dez anos». «Essa era, de resto, a vontade de Paula Rego: que a sua ‘Casa’ continuasse a expor os seus ‘bonecos’ durante muitos anos. E em Cascais estamos dispostos a cumprir a sua vontade. Receberemos mais obras e reforçaremos a sua coleção», realçou, rotulando «qualquer conversa sobre o fecho ou ‘esvaziamento’ da Casa das Histórias» como «absurda e mal-intencionada».

«Reafirmando, para que não restem dúvidas, que a Casa das Histórias Paula Rego nunca esteve, não está e nunca estará em risco», adiantou.

No entanto, dois dias depois da publicação do artigo no i, o Expresso avançava que «o futuro da Casa das Histórias como principal centro dedicado à obra de Paula Rego está em risco». Segundo a notícia, «no museu (…) há muito que só existem gravuras e desenhos», salientado que «as pinturas que se encontravam em regime de empréstimo foram sendo retiradas e, inclusive, a mais icónica — ‘O Anjo’, que fez parte da mostra inaugural da Casa das Histórias em 2009 — foi comprada este ano pela Fundação Gulbenkian».

Carlos Carreiras terminava a crónica do i dando a garantia de que «o compromisso de Cascais com a família na administração da CHPR é total – e é recíproco».

A partir de Nova Iorque, onde se encontra a trabalhar como produtor cinematográfico, Nick Willing, o mais novo dos três filhos da artista, declarou ao Nascer do SOL que «há muitos erros no artigo do Expresso». «Não percebo o motivo pelo qual estão a fazer isto», rematou. Também a Câmara Municipal de Cascais assevera que os apreciadores da obra da pintora luso-britânica podem ficar descansados e continuar a contar com a presença das suas criações modernistas em Cascais.

 

Luto e segredos

Paula Rego, a mais cotada e respeitada artista portuguesa, morreu em Londres, no passado dia 8 de junho, aos 87 anos. O Governo anunciou que o dia de luto nacional pela morte da pintura Paula Rego seria assinalado a 30 de junho, data do seu funeral. «Nos termos do decreto aprovado em Conselho de Ministros no dia 8 de junho, o Governo anuncia que o dia de luto nacional pelo falecimento de Paula Rego será assinalado a 30 de junho, data em que se realizam as exéquias da artista, conforme indicação dada pela família da artista», indicou o Executivo num comunicado divulgado pela Presidência do Conselho de Ministros.

Na mesma nota, o Governo declarou que «Paula Rego foi uma artista maior da cultura portuguesa, com uma obra reconhecida incontornável no panorama artístico nacional e internacional, deixando um legado único que perdurará para sempre na história das artes plásticas».

Desde o primeiro momento ficou clarificado que a cerimónia fúnebre da artista seria «muito restrita, reservada apenas à família e a amigos mais próximos», como disse o galerista que representa a obra da artista em Portugal, Rui Brito. O funeral viria a ocorrer numa igreja da zona de Hampstead, na capital britânica.

Grande parte da carreira de Paula Rego foi dedicada aos direitos das mulheres e, em particular, ao aborto. «Fiz muitos abortos. Não fui só eu. Na Slade, todas as raparigas fizeram. Naquela época não havia contracetivos. E os homens não se preocupavam!», revelou no documentário Paula Rego, Histórias & Segredos, de 2016, realizado precisamente por Nick Willing.

Neste filme, a artista relatou episódios duros da sua vida pessoal, tais como o primeiro encontro sexual com Victor Willing ou os abortos que se viu obrigada a fazer quando estudava na Slade, a faculdade de Belas Artes da University College London, instituição de Ensino Superior que frequentou por ter sido incentivada pelo pai a prosseguir estudos longe do regime salazarista.

A artista expôs individualmente, pela primeira vez, na Galeria de Arte Moderna da Escola de Belas-Artes de Lisboa, em 1966, tendo apresentado vários trabalhos relacionados com acontecimentos da vida política da Península Ibérica, incluindo pinturas como Cães de Barcelona, que viria a tornar-se uma das obras-chave do seu percurso. Antes disso, enquanto bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian, participou na II Exposição da Gulbenkian, tendo estes momentos sido cruciais para que a crítica nacional começasse a conhecer e a valorizar o seu trabalho.