Os deuses devem estar loucos

Já não há um mínimo de razoabilidade nas relações internacionais e entre Estados? O que pretendem os Estados Unidos com esta ostensiva provocação a Pequim? Apagar a fogueira com gasolina?Ai se a senhora fosse republicana…

Não sei se é do aquecimento global e das alterações climáticas, se é das temperaturas acima do normal para a época, mesmo tratando-se do verão, se é do fumo que anda no ar, se os fogos, além de eucaliptos, pinheiros e mato, andam a queimar plantações de canábis medicinal… mas de alguma coisa há de ser, porque há algo de muito errado nestes tempos e neste mundo em que vivemos.

Na Roma em decadência, dizia-se que os deuses deviam estar loucos.

Agora, são mesmo as pessoas. Se não estamos todos malucos, para lá caminhamos rapidamente e em força. Pois quando até as orcas deram em andar a afundar veleiros junto à costa portuguesa…

E não se diga que é da silly season. Antes fosse uma fase ou só uma época do ano. Nada disso: é ‘estrutural’, como se usa dizer na ‘narrativa’ mais ‘resiliente’ dos ‘cartilheiros’ e ‘palpiteiros’ do regime.

‘Estrutural’, ‘narrativa’, ‘resiliência’, ‘cartilha’, ‘comentadores’ ou ‘palpiteiros’ – enfim, é o que está na moda ou cria buzz nas redes sociais. Tudo junto, e por junto, patetices.

Se as twists de Rita Pereira  foram lidas como tentativa de apropriação cultural e como uma provocação, gerando celeuma nessas mesmas redes, se os excessos de uma senhora embriagada num restaurante da Costa de Caparica motivam reações em catadupa aquém e além mar, como interpretar a visita de Nancy Pelosi a Taiwan?

Já não há um mínimo de razoabilidade nas relações internacionais e entre Estados?

O que pretendem os Estados Unidos com esta ostensiva provocação a Pequim? Apagar a fogueira com gasolina?

Ai se a senhora fosse republicana…

Com a guerra na Europa sem fim à vista – as imagens dos primeiros navios carregados de cereais da Ucrânia a zarpar do porto de Odessa, desde o início da invasão russa, em fevereiro, são um primeiro mas ainda muito ténue sinal de esperança – e no dia imediatamente seguinte ao anúncio da operação militar no Afeganistão que culminou na morte do líder da Al Qaeda e um dos cabecilhas dos mega atentados ao World Trade Centre, a 11 de setembro de 2001, a visita da presidente do Congresso norte-americano à ilha da controvérsia não se compreende.

Enquanto isso, ligamos a televisão e deparamo-nos com José Falcão, do SOS Racismo, na SIC Notícias, a comentar as agressões de uma «energúmena» a duas crianças negras adotadas por um casal de artistas brasileiros brancos, loiros e de olhos azuis – que, ao que parece, é useiro e vezeiro a expor as crianças a situações de stresse como a que viveram na Costa de Caparica, mas isso ninguém crítica, porque eles até são um exemplo e estão do lado dito politicamente correto. «No Verão há poucas notícias e tem de haver qualquer coisa para animar as hostes», começou por dizer o ativista vestido a rigor para a ocasião, com camisa colorida, calções e sandálias.

Está, mesmo, tudo maluco!

Como seis milionários promoverem as viagens ao espaço da companhia de Jeff Bezos, o empresário norte-americano que fundou e se tornou multimilionário com a Amazon e o comércio online.

A internet é, também, um dos fenómenos deste mundo louco.

O TikTok, como o Twitter, o Facebook, o Instagram e outros sorvedouros do investimento publicitário global continuam a dominar o mundo sem qualquer tipo de responsabilização.

Veja-se o caso, fatal, de Archie Battersbee, o miúdo britânico que entrou em morte cerebral depois de ter aderido a mais um estúpido desafio nas redes sociais, sustendo a respiração até perder os sentidos.

E todos em todo o lado comovem-se e levam horas e dias a discutir quando e onde as máquinas que mantêm Archie ligado à vida devem ou não ser desligadas, criticando ou aplaudindo as decisões dos tribunais.

O mundo devia exigir, sim, que os tribunais condenassem de forma célere e exemplar as redes sociais e os gigantes da internet que impunemente vivem à conta de inocentes e incautos utilizadores que expõem gratuitamente as suas vidas e inclusivamente as põem em risco, como o pobre Archie.

Enquanto não for assim, continuamos todos a discutir onde Archie deve ou não continuar a respirar auxiliado por uma máquina. E a fazê-lo nas redes sociais, contribuindo apenas para que estas aumentem os seus ganhos.

É o que parece que importa num mundo cada vez mais insano, em que as minorias andam perigosamente a provocar outras minorias, com a complacência da maioria.

Os deuses devem mesmo estar loucos!

As pessoas estão!