Moeda de troca…

Moedas precisará de medir bem os passos, para não se estatelar ao primeiro obstáculo, seja o folhetim do novo aeroporto de Lisboa, seja a estatuária ou a toponímia de Lisboa.

Há factos que não convém perder de vista, por muito que haja pressa em apagá-los no espaço público, desvalorizando-os como se fossem ‘águas passadas’. Depois da humilhação a que se sujeitou para continuar agarrado ao poder, Pedro Nuno Santos nunca mais se reencontrou, apesar de ajudas inesperadas, como a de Carlos Moedas, que o tratou como «fazedor», algo que só por gozo político se poderia dizer, perante alguém em queda livre.

Ao mantê-lo ministro, António Costa, arriscou ‘perder a face’ e parecer medroso. Em contrapartida, forçou-o a um vexame público, de que não há memória na história democrática, e liquidou-lhe as aspirações. O duelo partidário impôs-se ao estado da nação.

O episódio foi tão patético que deixou ambos mal na fotografia. Costa esqueceu-se que governar não é ‘tirar o tapete’ a um virtual sucessor, sem lastro para tanto.

Moral da história: é tão improvável que Pedro Nuno Santos chegue algum dia a primeiro ministro, como é duvidoso que Marcelo Rebelo de Sousa, pese a sua boa vontade, se disponha a condecorar José Sócrates – acolhendo o ‘recado’ de Santos Silva – ou, mesmo, Rosa Coutinho e Vasco Gonçalves, hipóteses ainda em aberto, embora pareça ter recuado.

Com o aproximar do cinquentenário do 25 de Abril, já se ouve o ‘rufar dos tambores’ das esquerdas inflamadas, propondo as mais desvairadas homenagens, inclusive, a de erguer uma estátua ou busto, em Lisboa, à memória do militar que ficou conhecido na gíria revolucionária pelo ‘companheiro Vasco’.

Foi uma esparrela em que quase caiu o presidente do município, que não rejeitou liminarmente a ideia quando lhe lançaram o ‘isco’, corrigindo mais tarde essa ambiguidade.

Ameaçado de boicote pela maioria de esquerda, Moedas terá de se precaver para não ficar refém dos ardis que lhe preparam os vereadores socialistas e comunistas, querendo forçá-lo, até por instinto de sobrevivência, a aderir às suas ‘causas’.

Se o seu antecessor, Fernando Medina, quase transformou Lisboa num parque temático – ao qual só faltou a Feira Popular, em Carnide –, Moedas precisará de medir bem os passos, para não se estatelar ao primeiro obstáculo, seja o folhetim do novo aeroporto de Lisboa (a marinar há quase meio século…), seja a estatuária ou a toponímia de Lisboa, para glorificação de quem o não merece.

Poderá uma qualquer associação de saudosos do PREC sonhar com um monumento a Vasco Gonçalves – o general que chegou a primeiro ministro pela mão do PCP e dos acólitos militares –, mas compete à democracia e aos democratas não pactuarem com homenagens a quem esteve a um passo de mergulhar o país noutra ditadura.

Seria uma pena e uma perda para Lisboa se Moedas, que desalojou Medina da autarquia por mérito próprio, se deixasse agora enfeitiçar pelo ‘tango’ das esquerdas.

Falta à capital, por exemplo, um Museu das Descobertas, há muito prometido, mas que Medina congelou, com pretextos pueris, sem coragem para afrontar os crónicos ‘indignados’, cujos ódios estão em conflito aberto com a nossa História.

Como falta pôr cobro aos desmandos praticados na cidade, com uma malha de ciclovias em parte inúteis (vide a avenida Almirante Reis…), ou plantando estações e estaçõezinhas de bicicletas e trotinetas, a torto e a direito, um novo negócio sem ‘rei nem roque’.

Os lisboetas precisam de mais habitação social, a preços controlados, precisam de mais mobilidade a sério – e não de macaquear capitais estrangeiras que não se comparam connosco.

Mas dispensam, seguramente, a ‘sementeira’ de pilaretes, as obras de fachada, os radares em profusão na ‘caça à multa’, os limites estúpidos de velocidade, e, menos ainda, os bustos ou estátuas a incensar gente defensora de outro regime totalitário.

Já bastou a avenida da Liberdade embandeirada pelo PCP, no centenário do partido, uma ironia e outra cedência de Medina aos seus compagnons de route.

Carlos Moedas não pode pedir desculpa por ter sido eleito nem aceitar submeter-se a um programa que não é o seu, como ‘moeda de troca’ para ‘amansar’ a esquerda em maioria na câmara e evitar incómodos.

Já basta o país continuar a arder, o cabaz de compras estar mais caro e os serviços públicos mais degradados – com relevo para os hospitais e transportes –, enquanto se derretem fortunas a financiar projetos de equívoca mais-valia, incluindo essa ‘feira de vaidades’ tecnológicas (que custa 11 milhões anuais…), conhecida por Web Summit, que vai ser replicada no Brasil em 2023, pois o suposto exclusivo fica-se pela Europa.

Sobrevoando tudo isto, o primeiro ministro sorri não se sabe bem de quê e o Presidente promulga leis para ‘comentar’ depois as suas insuficiências ou falta de regulamentação, como voltou a acontecer com o novo Estatuto do SNS.

Aos poucos, os portugueses começam a perceber o sarilho em que estão metidos.