Taiwan. Devemos temer uma guerra?

Nem a Casa Branca nem Pequim estão contentes com a tensão em Taiwan. Há receios de um bloqueio chinês, devastador para a economia global.

Taiwan. Devemos temer uma guerra?

Mísseis balísticos disparados pela China provavelmente sobrevoaram Taiwan, admitiu o Governo do Japão. O grande receio é que Xi Jinping finalmente cumpra o seu sonho de reunificar a China orquestrando uma invasão, algo com potencial para gerar uma nova guerra mundial, caso a Casa Branca decida defender os seus aliados taiwaneses. No entanto, esse não é o único cenário catastrófico em cima da mesa. Observando os gigantescos exercícios militares chineses ao largo de Taiwan, os maiores de sempre, poderiam ser vistos como um ensaio a um bloqueio desta ilha, que se estima ter uns 90% da capacidade de produção dos chips mais modernos, algo que teria consequências económicas inimagináveis, numa altura em que o impacto da invasão russa da Ucrânia já se faz sentir pelo mundo fora. 

Esta escalada das tensões, despoletada pela visita de Nancy Pelosi a Taiwan, já está a impactar o comércio mundial, obrigando navios mercantes a mudarem de rumo e linhas aéreas a cancelar voos, tendo os exercícios navais chineses decorrido nos acessos a três dos principais portos taiwaneses, nomeadamente Taipei, virado para norte, Taichung, a oeste, e Kaohsiung, no sul.

Quando falamos no estreito de Taiwan, trata-se de uma rota por onde passa a maior parte do comércio da China e Japão, respetivamente a segunda e terceira maiores economias do mundo, com a Europa. Além de ser um ponto de passagem essencial para exportar bens da Coreia do Sul, uma potência no que toca à produção tecnológica, sendo que se estima que 88% dos maiores cargueiros do planeta tenham passado pelo estreito de Taiwan o ano passado, avançou a Bloomberg. 

«Exercícios militares prolongados ou regulares no estreito de Taiwan podem criar disrupções no comércio de Taiwan com o resto do mundo e nas cadeias de abastecimento globais», alertou Homin Lee, analista para a Ásia da Lombard Odier, citado pelo Financial Times. É mais um risco económico com que teremos de aprender a viver. Havendo analistas a apontar que as retaliações chinesas pela visita da presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos a Taiwan se possa prolongar por meses, ou até anos.

A sorte é que um eventual bloqueio a Taiwan, estilo aquele que os EUA conduziram durante décadas contra Cuba, talvez prejudicasse tanto a China – provavelmente até mais – quanto o resto do globo. Os chips tornaram-se uma parte crucial de qualquer indústria moderna, e é sabido como a China, em tempos conhecida como a fábrica do mundo, ainda depende deste setor.

No entanto, ao mesmo tempo, um bloqueio chinês seria devastador para Taiwan, que importa uns 60% dos seus alimentos e 98% da energia. Mantendo como o seu principal parceiro económico Pequim, apesar das velhas tensões, exportando bens avaliados num total de 185 mil milhões de euros para a China, só em 2021. E o regime chinês, após a visita de Pelosi, já retaliou com sanções económicas, proibindo mais de uma centena de empresas taiwanesas de operar na China. Além de restringir a sua venda de areia e gravilha para este território, algo essencial para a construção e para a indústria de semicondutores, o material com que são feitos chips. 

Relutância em ir para a guerra

Há muito que se temia uma escalada em Taiwan, que oficialmente ainda dá pelo nome de República da China, sendo o último reduto dos nacionalistas liderados pelo ‘generalíssimo’ Chiang Kai-shek, derrotados por Mao Tsé-tung na guerra civil chinesa. Este território, que se tornaria um aliado crucial para os Estados Unidos durante Guerra Fria, chegou a ser descrito como o «sítio mais periogos da Terra» pelo Economist, o ano passado. No entanto, nem a Casa Branca nem o regime de Pequim parecem particularmente entusiasmados com o aumento das tensões no estreito de Taiwan, enquanto o mundo observa atentamente, receoso que um erro de cálculo cause uma guerra.
No que toca aos EUA, até o próprio Pentágono foi contra a visita de Pelosi a esta ilha, sabendo perfeitamente que isso causaria problemas com a China na pior altura imaginável, quando o complexo industrial-militar americano aposta tudo em bombear armas para a Ucrânia. E a Administração de Joe Biden, que tem tentado convencer ou pressionar Xi a não ajudar a Rússia a contornar as sanções ocidentais, procurou distanciar-se, descrevendo a visita da presidente da Câmara dos Representantes, número três do Estado americano, como mera decisão pessoal.
Os Estados Unidos até decidiram adiar os testes de rotina dos seus Minuteman III. É que o lançamento destes mísseis balísticos intercontinentais, com capacidade de carregar ogivas nucleares, podia ser mal interpretado pelo regime chinês, avançou o Wall Street Journal. Sobretudo estando os ensaios marcados para a base aérea de Vandenberg, na Califórnia, à beira do Pacífico. 

Já a tensão surgiu numa altura complicada para Xi, quando procura consolidar o seu poder antes do próximo congresso do Partido Comunista da China, já este outono, quando o líder chinês deverá renovar o seu mandato. Parece certo que o conseguirá, mas nunca se sabe. É fácil esquecermo-nos que «as ditaduras também têm política», frisou Alex Ward, correspondente para Segurança do Politico, ao Vox.

Essa política, ao contrário da nossa, pode não incluir partidos na oposição ou críticas em público. E, no que toca a Xi, «há partes do partido comunista que não querem que ele governe toda a vida e que o consideram fraco», sobretudo quanto a Taiwan, cuja autonomia é vista como uma humilhação, considerou Ward. Na prática, estes enormes exercícios militares, «apesar de também estarem a enviar sinais para os EUA, são sobretudo para uma audiência doméstica», explica. «Toda a gente sabe que, de momento, a China não quer uma guerra com Taiwan, porque não sente que esteja pronta». 

É que, apesar de Taiwan ter uns meros 23 milhões de habitantes, coisa pouca quanto comparado com o seu gigantesco vizinho, tem recebido enormes quantidades de armamento americano ao longo das últimas décadas. Transformando-se naquilo que analistas descrevem como «porco-espinho», uma ilha recheada de mísseis, onde Pequim sofreria baixas tremendas durante uma invasão.
Contudo, as projeções no caso de um eventual conflito não são favoráveis a Taiwan, estando a China a gastar anualmente vinte vezes mais em Defesa, tendo batido os próprios EUA a nível de número de navios de guerra, submarinos e mísseis. Contudo, uma disparidade militar, no papel, pode significar pouco, como mostrou a invasão russa da Ucrânia. Simulações do Centre for a New American Security, em maio, indicavam que as forças chinesas, após semanas de combate, conseguiriam desembarcar na ilha, mas não atravessar as suas montanhas para chegar a Taipei. A expectativa seria de uma guerra de atrito, devastando um país que produz a vasta maioria dos chips que usamos todos os dias.