Nottingham. O regresso dos rapazes da floresta de Sherwood

Único clube que consegue ter mais títulos de campeão europeu do que de campeão de Inglaterra regressou à Premier League. Traz consigo todo o imaginário que rodeia a sua cidadezinha encantadora, a começar por Robin dos Bosques e a acabar em Frei Tuck.

Subitamente, segundos após ter começado a escrever este texto, o eco de uma musiquinha cretina tomou-me conta das circunvoluções do cérebro de forma irritante: «Robin Hood, Robin Hood/Riding through the glen/Robin Hood, Robin Hood/With his band of men/Feared by the bad, loved by the good/Robin Hood! Robin Hood! Robin Hood!». Era o tema musical de uma série de televisão que foi para o ar algures durante a minha infância, com um canastrão chamado Richard Greene a fazer o papel de Robin dos Bosques.

Ora bem, enquanto a musiquinha me inferniza a memória (vai ser o cabo dos trabalhos para me ver livre dela), puxo pelas minhas memórias de Nottingham, uma cidade fracamente agradável, erguida nas margens do Trent, com o seu inevitável castelo, a sua estátua do bandido do qual toda a gente gostava, excetuando o canalha do xerife, o Friar Tuck Lane, a Maid Marian Way, que é uma espécie de Segunda Circular, o Robin Wood Way e a Sherriff Road que vai dar a estação central do metropolitano. Entre 1995 e 1996 passei por lá várias vezes. Há dois clubes cujos estádios estão instalados frente a frente, cada um na sua margem do Trent que, naquele lugar, faz uma curva apertada. O Notts County, que hoje se arrasta pelo quinto escalão do futebol inglês mas que se orgulha firmemente em ser o clube profissional mais antigo do mundo, com a sua fundação a remeter para o longínquo 28 de Novembro de 1962, e o Forest, assim mesmo, simplesmente Forest que é a forma como os seus adeptos o tratam. Há que dizer que não é qualquer um que se dá ao luxo de ser fã de um clube chamado Floresta, mas é o que dá viver nas redondezas de Sherwood, que hoje em dia é uma reserva nacional com 424 hectares, já não muito parecida com a velha floresta real de caça pelo meio de cujas árvores os rapazes de capuzes e de meias de nylon atacavam os soldados do xerife e do hediondo Príncipe João, usurpador do trono de Ricardo, seu irmão, Duque da Normandia, Aquitânia e Gasconha, Senhor do Chipre, Conde de Anjou, Maine e Nantes e Suserano da Bretanha, mais conhecido por_Ricardo Coração de Leão.

Oficialmente: Nottingham Forest Football Club. O único clube que pode orgulhar-se de ter sido mais vezes campeão da Europa do que de Inglaterra. Ligeiramente mais novo que o seu vizinho e rival (embora a maior rivalidade do Forest tenha sido, durante os seus anos brilhantes, com o Derby County, da cidade de Derby, logo ali à beira), veio a mundo em 1865 e disputou o seu primeiro jogo contra o Notts County (quem haveria de ser?) no dia 22 de Março de 1866. Como sucedeu com muitos dos clubes que nasceram na Inglaterra, havia um pub e umas pints no início desta história. Era no Clinton Arms, na Shakeaspeare Street, que se juntavam J. S. Scrimshaw and his band of men (chiça lá para a musiquinha), e foi por entre umas doses de lager e de pale ale que decidiram  fundar o Nottingham Forest. Era gente jovem, com a cabeça cheia de ideias aventureiras que admirava heróis como Giuseppe Maria Garibaldi, o revolucionário que veio da Guerra do Uruguai para unificar a Itália sob a coroa de Victor Manuel II. Por causa disso, decidiram igualmente encomendar um pacote de camisolas cor Vermelho Garibaldi, ou seja, a cor dos casacos dos que seguiam Giuseppe. E assim, de vez em quando, há quem chame aos jogadores do Forest de Garibaldini.

O regresso!

Steve Cooper nunca teve grande sucesso como jogador e, como técnico, só tinha tido a experiência de trabalhar com seniores durante uma época, no Swansea. Foi nomeado treinador do Nottigham no dia 21 de Setembro de 2021. O Forest retorcia-se no último lugar da classificação da II_Divisão inglesa. No dia 29 de Maio do ano seguinte, depois de uma vitória sobre o Huddersfield por 1-0, em Wembley, nos play-offs de subida, regressava à Premier League. Um lugar que reclama seu por direito, embora no futebol estas coisas dos direitos levem a muito trabalho e a muitos gastos de dinheiro.

No início da sua existência o Forest fez questão de ser um clube com a sua dose de ecletismo. Tinha equipas de hóquei em campo e de basebol, um desporto não muito bem visto na Grã Bretanha por ser uma corruptela do críquete. Fora fundado por gente rica com uma característica nem sempre muito presente em quem tem dinheiro a rodos: a generosidade. Os seus diretores faziam ofertas aos adversários como verdadeiros mãos largas: a primeira série de camisolas do Arsenal com mangas brancas, por exemplo (até aí usavam um equipamento todo vermelho); um jogo de equipamentos para um Everton com contas pelas ruas da amargura; o pagamento do arrendamento do campo de futebol do Brighton. Apesar de toda esta prodigalidade, a Football Association (FA), através da recém-fundada Football League, do alto da sua arrogância, recusou pura e simplesmente a candidatura do_Forest para fazer parte dos clubes que disputaram o primeiro campeonato inglês em 1888.

Nestas coisas, os ingleses, sejam eles das vielas de Londres ou das charnecas do Nottinghamshire, não costumam aceitar negas com bom espírito. E assim, ao mesmo que a Football League iniciava a tarefa de por em marcha um dos mais antigos campeonatos nacionais do mundo, uma outra organização paralela, a Football Alliance, por muitos conhecida como The Combination, com o presidente do Crewe Alexandra, J.G. Hall, à cabeça, arregimentava os clubes excluídos pela sua rival para lançar uma competição com idênticas características. A vida da Football Alliance foi curta: durou de 1889 a 1992. Deficiências no entendimento entre diretores e uma chocante falta de organização conduziram ao desastre. A League passava a ser dona do campeonato de Inglaterra e ponto final. E assim é até hoje. O que não evitou que o Forest tivesse, em 1892, ganho o tal campeonato paralelo e tenha sido essa a sua primeira grande vitória a nível nacional. Ah! E não, não conta como título de campeão inglês. Esse far-se-ia esperar durante muitos e muitos anos.

Entretanto, na época de 1897-98 o Forest teria a sua vingança particular sobre os soberbos senhores da FA. Atingiu a final da Taça de Inglaterra, em Londres, no campo do Crystal Palace, e venceu os vizinhos do Derby County por 3-1, golos de Capes (2) e McPherson. Não seriam capazes de adivinhar, nenhum dos dois grandes heróis dessa final, que o seu clube só voltaria a erguer o troféu na época de 1958–59, batendo o Luton Town por 2-1, já em Wembley, com golos de Dwight e Wilson marcados logo nos primeiros quinze minutos. Daí para cá, só uma final perdida, face ao Tottenham (1-2), em 1991.

A vida de Brian

Brian Howard Clough, nascido em Middlesbrough no dia 21 de Março de 1935 (morreu em 20 de Setembro de 2004), foi o pai da universalização do Forest. Como avançado, primeiro no Middlesbrough e, em seguida, no Sunderland tornou-se insuportável para os defesas contrários. Irrequieto, marcava golos aos molhos, de todas as maneiras e feitios, atingindo a marca de 251 em 274 jogos. Chegou à seleção, por duas vezes, e era perseguido em campo à patada como se fosse uma ratazana. Um dia acertaram-lhe em cheio: com os ligamentos do joelho direito rebentados abandonou os relvados para se sentar no banco como treinador. E que treinador!

Já como treinador, a começar no Hartlepools United, tornou-se insuportável para todos os adversários. Misturava uma arrogância severamente britânica com um sentido de humor muito particular, a ponto de raiar a ofensa. Não arranjou muitos amigos, há que dizê-lo, mas construiu um exército de inimigos que, durante anos, rezaram pelo seu insucesso. Se alguém lhe foi verdadeiramente dedicado, esse alguém teve o nome de Peter Taylor, um guarda-redes de carreira modesta, natural precisamente de Nottingham, seu fiel adjunto e escudeiro no Derby County e no Forest, os clubes que a argúcia de Clough transformou em campeões de Inglaterra.

Brian entrou nas instalações do Forest, no City Ground, no dia 6 de Janeiro de 1975. Quase logo a seguir ao seu fracasso de 44 dias como treinador do Leeds United, para o qual fora contratado para substituir o carismático Don Revie à frente de um grupo de jogadores batidos que nunca revelaram grande respeito por ele, mesmo sabendo que, em três anos, pegara no Derby County na II_Divisão e levara o clube de Derby ao seu primeiro título de campeão inglês. Havia um certo complexo de superioridade no Leeds desse tempo. Campeonatos ganhos, Taças UEFA, uma presença na final da Taça dos Campeões. Não havia vivalma que quisesse aturar as esquisitices de Clough.

Em Nottingham o ambiente era outro. As ambições eram curtas. O clube estava em 13º lugar da II_Divisão quando Brian chegou e acabou a época em 16º. Ninguém cobrou nada ao treinador. Enfim, o costume.

Entretanto Clough recuperou dois jogadores que tinham caído para as reservas, John Robertson, um escocês esquerdino com tendência para o gorducho – foi obrigado a um duro regime para emagrecer –, e Martin O’Neill, um daqueles centro-campistas de visão larga, natural da Irlanda do Norte, que viria a ter uma carreira segura como técnico. Outros dois dos desperdiçados que Brian recuperou foram o jovem Tony Woodcock e o lateral direito Viv Anderson, o primeiro jogador negro a vestir a camisola da selecção inglesa. Com John McGovern e John O’Hare, vindos do Leeds, únicos no clube a ficarem agradados com a metodologia do treinador, restava a Clough conquistar a confiança de Peter Taylor para o novo projecto. Taylor era considerado um mestre a observar adversários e a tirar o melhor proveito da características dos jogadores. Quando recebeu o amigo em casa, chamou-lhe maluco: «O máximo que podes ambicionar é ficar a partir do oitavo lugar. Os jogadores que tens não servem nem para a terceira divisão». A verdade é que acabou por se sentar ao lado de Brian no banco do Forest na época que se seguiu.

Clough não era apenas um treinador de inteligência superlativa e de truques psicológicos astutos. Como manager, cargo que os treinadores assumem com frequência nos clubes ingleses, tinha um jeito especial para o negócio. Woodcock chegaria às 42 internacionalizações por Inglaterra e seria vendido aos alemães do Colónia por 600 mil Libras. Peter White, um ponta-de-lança com pinta de trapalhão, foi comprado pelo Forest por 43 mil Libras e, pouco depois, vendido ao_Newcastle por 250 mil.

Tornando-se cada vez mais poderoso dentro do clube, Brian destacou altamente a vitória na Taça Anglo-Escocesa (5-1 na final ao Orient), uma competição de Verão sem expressão, afirmando-a como o primeiro grande troféu ganho pelo clube desde 1959. «Queiram ou não, a verdade é que ganhámos alguma coisa!», teimou. No final da época, o terceiro lugar na tabela, valeu a subida à I_Divisão. Havia dinheiro e chegaram mais jogadores: Kenny Burns, avançado-centro que assumiu o papel de central, Peter Shilton, guarda-redes, Archie Gemmill, um escocês careca com pés de musselina; Trevor Francis, o avançado que veio do_Birmingham, primeiro inglês a valer um milhão de Libras.

O Forest liderou praticamente de princípio ao fim o campeonato de 1977-78, terminando com sete pontos de avanço sobre o Liverpool campeão europeu. Logo a seguir venceu o mesmo Liverpool na finalíssima da Taça da Liga (0-0 e depois 1-0). O tormento dos scousers ainda não terminara. Logo na primeira eliminatória da sua estreia na Taça dos_Campeões, o Forest viu o sorteio impor-lhe o Liverpool. Novo triunfo (2-0 e 0-0). Seguiram-se AEK de Atenas, Grashopper Zurique e Colónia. A final, no_Estádio Olímpico de Munique, frente ao Malmö, daria sempre um vencedor absolutamente inesperado. Trevor Francis resolveu o encontro aos 45 minutos, concluindo de cabeça um centro de Robertson. Seguiu-se a Supertaça, frente ao_Barcelona (2-1). A vitória no campeonato não se repetiu. Até hoje. A segunda Taça dos_Campeões foi ganha no Santiago Bernabéu, ao Hamburgo, com um golo de Robertson. Sim, sim, aquele que era gorducho e fez regime…