Um Portugal sem qualidades?

Seria fundamental num país atrasado e sempre com os mesmos esquemas ter um Presidente com uma exigência implacável sobre bom o funcionamento das estruturas nacionais em degradação irreversível. 

Por João Maurício Brás

Há uma quase lei científica da política e da sociedade portuguesa, e como todas as leis, tem sempre algumas exceções, mas que nos diz que o Governo e os políticos seguintes são sempre piores que os anteriores.

Em Portugal num vídeo, vejo Moedas no salão da Câmara juntar as mãos e dizer «Sabem o que vejo nos retratos, só homens e brancos», enquanto pensava certamente no busto do democrata Vasco Gonçalves. Medina, o seu antigo adversário, depois da questão do envio do nome dos ativistas russos para embaixadas e outros episódios, tudo sempre legal, foi premiado com o ministério das Finanças. Isto seria impossível num país moderno e onde a democracia funcionasse e a maior parte dos média não se comportassem como agências de comunicação dos governos e existisse um outro tipo de intervenção do Presidente da República e uma vida verdadeiramente cívica por parte da população.

Marcelo R. S, seria uma figura ideal para ter um qualquer cargo honorário, pouco útil e vitalício, dava medalhas e fazia discursos e tinha um programa semanal, ‘Conversas com Marcelo ao volante’.

 Seria fundamental num país atrasado e sempre com os mesmos esquemas ter um Presidente com uma exigência implacável sobre bom o funcionamento das estruturas nacionais em degradação irreversível. Mas há sempre, para o mais socialista dos presidentes, um concerto, um mercado, uma praia, um centro comercial, um beijinho à Teresa, as condolências ao Alfredo, o aperto de mão ao Chico, e com a popularidade sempre em alta. O que diz muito sobre nós.

O PS e mesmo o PSD poderiam em relação à comunicação social contratarem a SIC e a TVI e mais 3 ou 4 jornais por ajuste direto como consultores estratégicos permanentes dos governos e acabavam as celeumas. 

O ajuste direto astutamente anulado fez até lembrar a literatura portuguesa. Hoje eu sou jurado de um prémio e o prémio vai para ti, amanha és tu jurado, e o prémio vai para mim. Depois existem os festivais onde são sempre os mesmos a convidar os mesmos, e se eu for a um programa ou escrever num jornal sobre livros, escrevo sobre ti e depois tu, sobre mim. Na academia, nas bolsas disto e daquilo não haverá muita diferença.

Esta é a nossa normalidade que é principalmente cultural. Os socialistas, quanto muito, praticam-na a um nível mais profissional. 

De que vale esforçar-me e até ser bom se serei ultrapassado pelo mau ou por um mais ou menos que tem o cartão do partido, ou a cunha, ou o contacto x… Enquanto este tipo de ‘mérito’ não for apenas considerado mau quando dele não beneficio, e não merecer uma rejeição com consequências, não saímos disto.

É este país dos clãs, do amiguismo, do compadrio, da esperteza saloia, que nos tem atrasado por séculos e séculos, como uma espécie de veneno que nos atrofia.

Multipliquem-se os milhões de casos dos ajustes e similares, e os milhões de euros que circulam sem escrutínio e contabilizamos o nosso atraso já endémico. 

No fundo tudo é legal. Quem faz as leis?

Os políticos considerando o estado em que está o país e o que têm feito ganham bem, aliás ser político é das melhores carreiras. Um caixa de banco pode acabar administrador de uma empresa, um funcionário de balcão de uma qualquer área acabará como diretor-geral de um qualquer setor privado. Eis a nossa democracia.

Não é com esta televisão, com estes partidos e estas práticas que deixaremos de ser infelizes espetadores.