GNR tinha normas para proceder em caso de aparecimento de OVNIS

Sem atitudes hostis ou gestos bruscos, com a devida distância e tudo recolhido com pinças. Seria assim que a Guarda procederia durante uma observação de um OVNI em 1999.

“Em nada se assemelham aos objectos voadores nossos conhecidos. Em geral, os Ovnis são, sobretudo, visíveis ao escurecer, por emitirem luminosidades por vezes multicolores e de intensidade variável, (…) raramente emitem ruído e demonstram uma capacidade de mobilidade de voo completamente fora do comum. Por tudo isto, tais objectos constituem um mistério por enquanto insondável. Mistério quanto às sua origens e objectivos.” 

Esta podia ser uma descrição de uma qualquer conspiração que circula na internet sobre a existência de extraterrestres.

Mas, na verdade, trata-se de parte de uma definição que consta numa norma de execução permanente (NEP) da Guarda Nacional Republicana (GNR) sobre fenómenos OVNI (Objeto Voador Não Identificado). O documento com data de 31 de maio de 1999, a que o i teve acesso, tece uma série de considerações e descreve ao pormenor procedimentos e métodos de intervenção para o hipotético caso de manifestações do tipo OVNI.

A NEP em questão, que substituía uma anterior em vigor desde 29 de agosto de 1986, tinha por finalidade “regulamentar e normalizar as informações sobre observação de fenómenos OVNI a prestar à Sociedade Portuguesa de Exploração Científica (SPEC)” que, na altura, estava encarregue da “recolha, análise e investigação sistemática e objectiva, de fenómenos aéreo espaciais de natureza invulgar, globalmente conhecidos pela sigla OVNI”.

E, ao que parece, o avistamento destes não era assim tão incomum naquela época, como deixa transparecer o documento: “Muitas vezes, esses Ovnis são observados a curtas distâncias e por um período de tempo razoável, o que, naturalmente, oferece à testemunha a possibilidade de registar muitos pormenores”.

Aliás, a descrição da GNR vai mais longe e pode até beliscar algumas certezas dos mais céticos em relação à existência de ‘homenzinhos verdes’ de outro planeta: “Também têm sido observados pousados no solo, e vistos os seus ocupantes, nem sempre com a mesma configuração física dos humanos.”

No que se refere aos procedimentos estabelecidos naquela altura para este género de episódios, “para se evitarem situações de falsas ou duvidosas informações”, só interessavam relatos que apontassem para “observações aproximadas, não merecendo especial atenção os relatos das observações efectuadas para além dos 3 mil metros e com duração inferior a um minuto”.

Depois, o método de intervenção da Guarda podia depender do tipo de observação. Caso se tratasse de uma observação onde não existissem quaisquer efeitos secundários, era classificada como uma “intervenção corrente”, procedendo-se à recolha dos relatos com o auxílio de um questionário.

No caso de se tratar de observações onde existissem efeitos secundários, nomeadamente efeitos perigosos em pessoas, animais, no ambiente, ou resíduos, classificava-se como uma “intervenção imediata” que exigia mais rapidez. E, neste caso, a recolha dos depoimentos fazia-se através de um questionário diferente específico para este tipo de observações.

“Sob o domínio dos ocupantes” As normas protocolares da GNR estabeleciam ainda um conjunto de regras de segurança que deviam ser postas em prática na eventualidade de fenómenos OVNI.

“Nunca tocar directamente em nenhum objecto que tenha estado em contacto directo com um OVNI; evitar contactos com quaisquer tipos de focos ou feixes de luz; em caso de pouso, não tocar no terreno; em presença de um OVNI, nunca tocar na sua estrutura”, começa por aconselhar o guião, onde é igualmente indicado “não tomar atitudes agressivas, pois os resultados serão sempre desfavoráveis” e ainda “evitar gestos bruscos e recordar que se ‘os’ está a ver, também estará a ser observado”.

Para que se perceba o nível de seriedade deste roteiro de segurança, estava também acautelada uma situação de “contacto direto com ocupantes” dos OVNI e as recomendações apontam, no mínimo, para as representações mais arrepiantes que se retiram dos filmes de ficção científica.

“Não se aproximar demasiado. Manter a calma mas também a vigilância. Atitudes precipitadas poder-lhe-ão ser negativas. Em contactos directos com ocupantes, você estará sempre sob o seu domínio. Evite pôr em risco a sua integridade física, cooperando se para tal for solicitado. Ao afastar-se, faça-o lentamente, sem medo mas com precaução.”

Efeitos secundários Por suposição ou fundamentados em episódios concretos do passado, cujo histórico pelo menos é desconhecido da maioria da população, estas normas de execução permanentes da década de 90 já descreviam aquilo que poderiam ser os efeitos secundários das observações de objetos voadores não identificados para seres humanos, animais, meio ambiente e objetos.

Relativamente aos seres humanos, alguns podiam ser ipsis verbis, à luz dos dias de hoje, identificados como sintomas atribuídos à covid-19, como dores de cabeça, enxaquecas, náuseas, vómitos, dores musculares, dores abdominais e ainda perturbações respiratórias. Outros podiam-se manifestar em forma de perturbações oculares, perturbações cutâneas, queimaduras, paralisias, perdas de peso, hipnose, amnésia ou, curiosamente, clarividência.

Nos animais, os indícios podiam evidenciar-se pela excitação ou silêncio absoluto, ou outros comportamentos anormais.

“Em caso de morte, não tocar no animal, isolar de imediato o cadáver, manter-se afastado, avisar urgentemente o Comando-Geral que, por sua vez, alertará a SPEC para fazer comparecer a equipa de especialistas”, lê-se ainda na NEP da GNR, onde se acrescenta que, após a recolha, o cadáver do animal seria posteriormente queimado pela equipa da SPEC.

No que diz respeito ao meio ambiente, as marcas podiam ser encontradas no solo, como depressões em profundidade, terra calcinada, pedras arrancadas ou vestígios de resíduos sólidos ou líquidos. Já a vegetação podia encontrar-se pisada, arrancada, queimada ou até mesmo partida. “No caso da existência de marcas desta natureza, a presença de forte campo magnético ou radioactivo, poderá vir a verificar-se. É conveniente não tocar em nada e vedar e vigiar o local”, avisa-se no protocolo da GNR.

Nos objetos, segundo sugere o documento, os vestígios de um acontecimento com um OVNI podiam surgir como cortes gerais ou parciais de energia eléctrica, interferências em aparelhos de rádio e de televisão, paragem de máquinas sensíveis, como por exemplo relógios, desorientação de aparelhos magnéticos, avarias totais ou parciais em aparelhos eléctricos, descarregamento instantâneo de baterias, vibração de vidros e metais, oxidação espontânea de metais, entre outros sinais.

No caso de se tratar de objetos afetados passíveis de serem recolhidos como amostra, os procedimentos exigiam mais cuidados. Não se deveria tocar diretamente no material, recorrendo à utilização de luvas protectoras, uma tenaz de madeira improvisada ou uma corda atada à “amostra”, dependendo estes métodos do tamanho e natureza do objeto em questão. Em qualquer dos casos, era aconselhado não se permanecer muito tempo junto da “amostra” e era ainda sugerido o isolamento da mesma “de modo a não contaminar pessoas ou animais”.

“Ao tomar conhecimento da ocorrência de um fenómeno aero-espacial do tipo OVNI, o pessoal da Guarda deverá de imediato tomar as providências adequadas a cada caso, alertar com urgência o Comando-Geral para comunicação à SPEC, e recolher os elementos necessários à elaboração dos inquéritos e do relatório/participação da ocorrência”, explica-se ainda no documento.

O tal relatório que devia ser elaborado nestas situações e posteriormente remetido de imediato ao Comando-Geral da GNR devia responder a uma série de questões, nomeadamente “quando, onde e por quem foi observado o OVNI, quanto tempo durou a observação e a que distância da testemunha, como se manifestou o fenómeno e como terminou, qual o aspecto e forma do OVNI observado, quais as características que o OVNI apresentou, qual ou quais os efeitos provocados pelo OVNI, se foram vistos ocupantes, qual o seu aspecto, vestuário e o que faziam”, além de outras perguntas relativas ao estado da testemunha e um relato pormenorizado do avistamento.

Mais ou menos rudimentares, a verdade é que a existência destas normas parece expressar pelo menos uma preocupação clara em precaver as hipóteses mais mirabolantes de uma qualquer situação que envolva discos voadores e outros mitos estelares.

O i questionou a GNR se ainda existem medidas protocolares e se estão previstas normas de procedimento para situações deste tipo, mas não obteve resposta.

No ano passado, um relatório do Pentágono assinalava mais de 140 casos de avistamentos de fenómenos inexplicáveis nos EUA. Além disso, muitos especialistas estimam que, com a utilização de cada vez mais meios para perscrutar o céu, 2022 será um ano de grandes descobertas neste domínio.