Pirómanos de todo o país uni-vos

Se a Serra da Estrela vai ficar melhor depois de ser dizimada pelo fogo, é óbvio que o resto do país queimado também vai melhorar imenso…

por João Cerqueira

Há momentos na História da Humanidade em que somos forçados a aceitar que aquilo que parecia evidente e indiscutível é, afinal, o contrário do que pensávamos. Os nossos sentidos e a nossa limitada compreensão tinham-nos induzido em erro. O melhor exemplo foi a Revolução Copernicana: toda a gente via o Sol a mover-se e a Terra parada, quando na realidade acontecia o contrário. Copérnico, e outros antes dele, perceberam o que o resto da Humanidade não conseguia entender.

Em Portugal aconteceu algo semelhante. Uma espécie de Revolução Copernicana foi protagonizada pela ministra Mariana Vieira da Silva quando afirmou que, depois dos incêndios, o Parque Natural da Serra da Estrela iria ficar melhor do que estava. Podemos portanto falar de uma Revolução Mariacana.

Se, até então, os incêndios florestais eram considerados uma catástrofe ambiental que destruía árvores, plantas, animais e casas, além de por vezes provocar a morte de bombeiros e outros cidadãos, depois das declarações da ministra tudo isto terá que ser reequacionado. Mariana Vieira da Silva colocou a Terra a mexer e o fogo que a destrói também. Porque, se a Serra da Estrela vai ficar melhor depois de ser dizimada pelo fogo, é óbvio que o resto do país queimado também vai melhorar imenso.

Esta teoria encontrou resistência entre os geocêntricos dos incêndios que continuam a acreditar que os fogos florestais são uma desgraça para o país. Mas basta olhar de novo para a História para se comprovar que a ministra tem razão. Muitas cidades ficaram melhores depois dos incêndios: Roma incendiada por Nero, Londres depois do grande incêndio no século XVI, Lisboa depois dos grandes incêndios provocados pelo terramoto. Só a Biblioteca de Alexandria é que não melhorou assim muito depois de queimada pelas chamas, mas é a exceção que confirma a regra. Afinal, até os algoritmos do fogo se enganam.

Portanto, se ficou demonstrado que os incêndios melhoram as florestas e as cidades, torna-se agora claro que a melhor maneira de resolvermos os problemas de Portugal é pegar fogo ao país inteiro. O défice, a dívida pública, o endividamento das famílias, a inflação, a covid, os problemas nos hospitais, os problemas na educação, os processos contra Sócrates e Salgado, o aeroporto de Lisboa, e até os próprios incêndios florestais seriam resolvidos se Portugal ardesse completamente. Esfumavam-se. Alguns dos milhares de turistas que garantem a viabilidade económica do país eram capazes de fugir, mas outros – os que interessam – ficariam a assistir à grande queimada dos nossos problemas. E do resto do mundo viriam observadores queimar também as pestanas para tentar perceber o que diabo estávamos a fazer.

Como tal, na próxima conferência de imprensa a ministra Mariana Vieira da Silva poderia aparecer a tocar uma lira enquanto anunciava a reforma estrutural de pegar fogo ao país todo para o tornar melhor. Primeiro, os bombeiros seriam transformados em incendiários e criado o prémio Fahrenheit 451 para o melhor deles. Depois, seria lançada a campanha Desperte o Nero que há em si e oferecido a cada cidadão com mais de dezoito anos (portugueses e estrangeiros) um kit patriótico composto por uma caixa de fósforos, um bidão com gasolina, um mapa das florestas e uma folha com a seguinte instrução: «Regue o alvo com a gasolina, atire-lhe um fósforo aceso e fuja». Obviamente que teria que haver rigor e planeamento para isto não se tornar num fogaréu à toa que queimaria tudo sem grandes resultados práticos: Observatórios e Grupos de Estudo do Fogo cujas conclusões também arderiam. Além disso, para queimar Lisboa como deve ser seriam convocados os especialistas na matéria que muitos anos antes da ministra perceberam que era a Terra dos fogos quem se mexia: os Super Dragões. Com o seu cântico de guerra «Nós só queremos ver Lisboa a arder», poriam finalmente em prática o seu plano clarividente. E talvez começassem pelas ciclovias.

Dito isto, tenho de confessar que pertenço à minoria obscurantista que continua a acreditar no geocentrismo dos fogos. São uma desgraça para o país. E também considero que os bombeiros são heróis a quem o país muito deve. Como afirmou Churchill: «Nunca tantos deveram tanto a tão poucos». Por isso, apelo aos Neros e às Neras de Viana do Castelo que se limitem a fazer umas fogueiras nos seus quintais ou a acender umas brasas para assar sardinhas. A cidade está muito bem assim e não precisa de ser melhorada pelo fogo.