Estou muito longe de subscrever as ideias políticas de Vladimir Putin e do regime que está no poder na Rússia. Mas isso, não me leva a subscrever a ideologia proto nazi e xenófoba do regime ucraniano. Não participo em campanhas de revisionismo histórico».
Quem escreveu isto no Facebook foi o major general Carlos Branco, que regularmente comenta a guerra da Ucrânia na TV.
É mais ou menos o que diz o PCP: «Nós não apoiamos Putin e condenamos a guerra na Ucrânia, mas…». Ora, no ‘mas’ é que está o busílis. É como aquelas pessoas que dizem: «Eu não concordo que ele bata na mulher, mas se calhar ela merece…». Tal como o PCP, o general, no fundo, apoia a intervenção russa na Ucrânia. Ao afirmar que lá vigora um regime ‘proto nazi e xenófobo’, está implicitamente a justificar a invasão. Quando deu início à ‘operação especial’, Putin disse exatamente o mesmo: que ia libertar a Ucrânia dos «nazis» instalados em Kiev.
Não estamos em tempo de dar mais valor às palavras do que aos factos. Ora, os factos são estes: Vlodomir Zelensky tem pedido encarecidamente à União Europeia que aceite a entrada da Ucrânia; ora, não consta que a UE comungue de ideais nazis nem aceite no seu seio regimes antidemocráticos.
Se, por acaso, o regime ucraniano fosse nazi, para entrar na UE teria primeiro de se ‘desnazificar’. Portanto, esse fantasma não existe. É um falso argumento para justificar a agressão.
Quem tem tido um comportamento nazi é a Rússia – que invadiu um país soberano para o submeter à sua vontade e cujo Exército se tem comportado mais selvaticamente do que os alemães na 2.ª guerra mundial: antes de atacarem as aldeias, vilas e cidades arrasam-nas com mísseis disparados à distância, limitando-se depois a ocupar os escombros com a cavalaria e a infantaria.
O que se tem passado na Ucrânia é fatal para o prestígio da Rússia.
Por outro lado, dizer que o regime ucraniano é «xenófobo» não faz qualquer sentido no atual contexto. A Ucrânia é xenófoba porquê? Porque não quer os soldados russos no seu território? Porque os quer expulsar?
É certo que os ucranianos são nacionalistas, e isso é o que lhes tem dado forças para resistir ao invasor. Mas esse nacionalismo resulta de quê? De algum defeito congénito? Ou das flagelações a que os ucranianos têm sido sujeitos pelos russos ao longo dos tempos, levando-os a desenvolver relativamente a eles uma enorme aversão?
É natural que os russos preferissem que os ucranianos fossem menos ‘xenófobos’. Que não fossem tão nacionalistas. Que os tivessem deixado entrar pelo país dentro, ocupar o seu território, servir-se das suas casas e até das suas mulheres. Que lhes dessem, mesmo, palmadinhas nas costas, dizendo: «Nós não somos xenófobos e até gostamos que vocês venham para cá tomar conta de nós…». Valha-nos Deus!
O massacre dos ucranianos pelo Exército russo é tão bárbaro, a devastação provocada pelo Exército russo na Ucrânia é tão impressionante, que é difícil perceber como ainda há quem aligeire a guerra, a justifique, a compreenda. Quem ponha um ‘mas’ à frente da frase «Eu condeno a invasão».
Dito isto, é necessário acrescentar que o general Carlos Branco tem todo o direito de dar a sua opinião sobre o assunto. Tem mesmo o direito de o fazer quase diariamente na TV. Já é mais estranho que pertença – ou tenha pertencido – ao gabinete do primeiro-ministro, tendo em conta que esse é um lugar político e Portugal apoia ativamente a Ucrânia e condena veementemente a invasão russa.
Quando a guerra começou, o prof. Armando Marques Guedes, numa afirmação bombástica, disse que havia «espiões» ao serviço da Rússia no gabinete do primeiro-ministro.
Não sei se havia espiões. Mas havia (ou há) quem veja a guerra pelos olhos dos russos.
Ainda não há muito tempo, o general Carlos Branco, a propósito de um qualquer acontecimento, dizia ter «informações fidedignas de fontes russas».
Ora, nesta situação de guerra, só pessoas da confiança de Moscovo estarão em condições de obter informações do lado russo.
Ou não será assim?
P.S. – Não cabe aqui comentar os apoios anunciados com grande espetáculo pelo Governo. Até porque só é possível avaliar a eficácia de certas medidas algum tempo depois. De um modo geral, discordo dos apoios diretos em dinheiro ou de medidas tendentes a contrariar o funcionamento normal do mercado, e concordo com a redução de impostos. Por outro lado, é sempre bom recordar que o Governo não dá nada a ninguém: apenas gere o dinheiro que cobra aos contribuintes. Tira de um lado e põe doutro. É um ato de ‘gestão’ e não de ‘altruísmo’, como faz crer. Dito isto, acho que a oposição errou politicamente na forma como criticou as medidas. Sair à liça a criticar apoios (por mais justas que sejam as críticas) nunca é popular.