Renoir, Picasso e Francis Bacon – um expoente do impressionismo, um gigante da arte moderna e um mestre do pós-guerra. Três valores seguros que qualquer museu do mundo gostaria de ter nas suas coleções. Ou talvez não? O Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA), uma instituição que dita tendências a nível global (foi dos primeiros museus, por exemplo, a constituir uma coleção de videoarte) vai vender obras destes artistas célebres para aumentar a sua presença no universo digital e, possivelmente, comprar NFTs (tokens não fungíveis, um ativo digital baseado na mesma tecnologia que as criptomoedas).
“O nosso público online está a crescer, e percebemos que temos de ampliar a nossa capacidade fora do edifício e online”, argumentou Glenn Lowry, o diretor do poderoso museu nova-iorquino, citado pelo Wall Street Journal (WSJ). Lowry explicou que o MoMA recebe, num ano normal, três milhões de visitantes. No ciberespaço, esse valor mais do que decuplica – cifrando-se nuns 35 milhões.
Para ajudar a financiar o ambicioso plano de digitalização – que permitirá chegar a um público mais alargado e, por exemplo, lançar cursos de arte online frequentados por milhões de pessoas em todo o mundo – a fundação que gere a William S. Paley Collection vai alienar 29 das 81 obras que tem em depósito no MoMA, noticiou o WSJ. Entre as peças que consignou à leiloeira Sotheby’s encontram-se uma Natureza-morta com morangos, de 1905, do impressionista francês Pierre-Auguste Renoir, o quadro cubista Guitarra numa mesa, pintado por Pablo Picasso em 1919 (que deverá atingir um valor de 20 milhões de dólares, aproximadamente o mesmo em euros) e o tríptico Três estudos para retrato de Henrietta Moraes, de Francis Bacon (avaliado em 35 milhões). Estima-se que, no total, as 29 peças – que incluem ainda nomes como o escultor francês Auguste Rodin – possam render em lelilão entre 70 e 100 milhões de dólares.
Além do investimento no aumento da presença e influência no meio digital, o MoMA não descarta, segundo o WSJ, investir parte desse dinheiro em NFT. “Lowry disse que o museu tem uma equipa a monitorizar a paisagem da arte digital para procurar potenciais artistas para participar em grandes projetos artísticos ou para potenciais aquisições”, escreve o jornal.
Curiosamente, isto acontece num momento em que o mercado dos NFT se encontra em perda acelerada. O MoMA não embarcou no grande boom de 2021, que disparou com a venda, pela Christie’s, de Everydays: The First 5,000 Days (2021), de Mike Winkelmann, aka Beeple, por uns impressionantes 69 milhões de dólares. “O preço astronómico tornou-o o terceiro artista mais caro do mundo”, nota a ARTnews. Estava dado o tiro de partida para a corrida aos NFTs. A febre instalou-se e muitos criadores converteram-se ao admirável e rentável mundo novo da arte digital. O português Alexandre Farto, mais conhecido por Vhils, foi um deles. Muitos acreditavam que se tratava de uma “revolução”, que permitiria aos artistas recuperar o controlo sobre as suas próprias obras, sem terem de depender financeiramente das galerias ou de outros intermediários.
Mas houve também quem mostrasse sérias reservas em relação a este meio de expressão. Marc Spiegler, diretor global da Art Basel, a maior feira de arte mundial, por exemplo, disse recentemente que não acreditava que os NFT tivessem vindo para ficar. “Ainda não vi nenhum que me tenha impactado como uma fotografia de Wolfgang Tillmans ou que me tenha entusiasmado tanto como um quadro de [Francis] Picabia”, confessou ao El País.
Quem também se revelou sempre muito céptico em relação a esta tendência foi Bill Gates, o milionário fundador da Microsoft. Numa conferência em que participou em junho deste ano não teve pejo em dizer que os NFT estão “100% baseados na teoria do maior tolo” – ou seja, trata-se de um ativo sem qualquer valor intrínseco, que só pode ser vendido por milhões porque existe um tolo disposto a pagar esse preço. Gates revelou que não possui NFT nem criptomoeda, definindo-se como um investidor mais tradicional.
Uma guitarra por cima da lareira As obras que o MoMA vai vender para financiar a sua expansão digital pertencem à coleção de William S. Paley (1901-1990, fundador da cadeia CBS e grande mecenas do MoMA. A guitarra cubista de Picasso que vai ser vendida, por exemplo, tem o atrativo especial de ser a pintura que o magnate tinha por cima da lareira da sua sala de estar.
Nenhuma das obras que vão a leilão, porém, se encontra de momento em exposição nas galerias do museu de Nova Iorque. As mais conhecidas são Rapaz puxando um cavalo, de 1905-6, também de Pablo Picasso, e Mulher com Véu, pintado por Henri Matisse em 1927. E vão manter-se no lugar.