Há alguns dias, num mesmo jornal televisivo, ouvi três notícias que, apesar de estarem obviamente relacionadas, foram transmitidas sem qualquer ligação entre si.
Uma dava conta de uma intervenção do presidente do PS, Carlos César, na academia do partido, defendendo a taxação dos lucros extraordinários das empresas. César indignava-se contra as empresas que têm lucrado com a conjuntura económica e considerava um imperativo moral obrigá-las a pagar mais.
Outra notícia, transmitida um pouco depois, mostrava a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a defender exatamente o mesmo. Os lucros extraordinários das empresas de energia deviam ser penalizados.
E uns minutos mais tarde surgiria a nova primeira-ministra britânica, Liz Truss, a dizer o contrário: que não irá taxar os lucros extraordinários, pois o seu objetivo é atrair o investimento e aumentar o crescimento económico, e essa medida não contribuiria para isso. Adiantava que o principal instrumento de combate às dificuldades que as famílias atravessam deve ser, precisamente, a dinamização da economia.
Este tema tem dividido a Europa.
A Espanha e a Alemanha, por exemplo, já agravaram as taxas sobre os lucros extraordinários das empresas, enquanto outros governos se recusam a fazê-lo.
Tenho constantemente defendido que o melhor caminho para o combate à pobreza não é a penalização dos ‘ricos’.
Trata-se de uma armadilha em que vários países têm caído, com péssimos resultados.
O combate à pobreza tem de ser feito através do aumento da produtividade e da produção, ou seja, do aumento global da riqueza, e não de políticas ‘à Robin dos Bosques’, tirando aos ricos para dar aos pobres.
O combate aos ‘ricos’ (ou seja, às empresas mais lucrativas) desincentiva o investimento e tem como consequência final a desaceleração do crescimento.
O mercado tem de funcionar ‘normalmente’, com regras estáveis – e tudo o que sejam intervenções do Estado no sentido de o distorcer dá normalmente mau resultado.
O Brasil encontra-se hoje perante um dilema parecido.
As próximas eleições presidenciais têm sido apresentadas caricaturalmente como a luta entre um ‘cabotino’ e um ‘corrupto’; mas o que verdadeiramente está em jogo são duas conceções de sociedade.
Como escrevia o empresário e jornalista Cleber Benvegnú, num límpido artigo neste jornal, um dos candidatos, Lula da Silva, «é estatista e o outro (Bolsonaro) privatista. O primeiro (Lula) criou [empresas] estatais, enquanto o segundo (Bolsonaro) extinguiu. Maior ou menor intervenção do Estado na economia? O petista (Lula) defende essa atitude, enquanto o direitista (Bolsonaro) fez uma série de desregulamentações em setores económicos. A autonomia do banco central, aprovada na gestão Bolsonaro, é um marco dessa mudança».
Atrás das personalidades de Bolsonaro e Lula, frequentemente ridicularizadas, estão dois modelos opostos.
Como todos sabemos, a intervenção máxima do Estado na economia deu-se na Rússia bolchevique – e esse modelo falhou.
O comunismo caiu por dentro, porque se revelou um modelo económico inviável.
Já não há quase ninguém que o defenda.
A China percebeu as vantagens do capitalismo e adaptou-o a um sistema político centralizado, de partido único.
A luta, hoje, é entre os que defendem uma maior ou uma menor intervenção do Estado na economia e na sociedade – ou seja, é entre os socialistas (ou sociais democratas) e os liberais.
E esta disputa traduz-se, basicamente, em mais ou menos impostos.
Os socialistas defendem mais impostos, que permitem um Estado mais gordo e mais interventivo, os liberais querem menos impostos, pugnando por um aligeiramento da máquina estatal.
Ora, o modelo liberal é mais dinâmico, por uma razão muito fácil de explicar: como a gestão privada é reconhecidamente mais eficaz do que a gestão pública, quanto mais dinheiro houver no setor privado mais produtiva será a economia do país.
Inversamente, quanto maior for a fatia de rendimentos sugados aos privados, menos produtiva será a economia.
Isto é claro e evidente.
E é por isto que quase todos os ex-países de Leste, que têm hoje regimes mais liberais que o nosso, nos têm vindo a ultrapassar.
Portugal só pode verdadeiramente evoluir quando o Estado libertar a sociedade civil – e quando esta se emancipar realmente do Estado.
Assim, foi com agrado que ouvi o ministro das Finanças, Fernando Medina, dizer em Bruxelas que o Governo português não seguiria as recomendações de von der Leyen e não taxaria os lucros extraordinários das empresas.
Só que, dias depois, em entrevista à CNN, António Costa viria dizer que ainda nada foi decidido.
O primeiro-ministro parece estar a especializar-se em desmentir os seus ministros.
Pelo meu lado, espero que haja o bom senso de não levar a medida por diante.
Até porque, se o Governo taxar extraordinariamente os lucros elevados das empresas, obriga-se moralmente a contemplar no futuro a situação simétrica – ou seja, a financiar as empresas cujos lucros fiquem muito abaixo do previsto.
Na prática, o Estado passaria a regular os lucros das empresas e a responsabilizar-se por eles.
Ora isto é um perfeito absurdo.