A abertura das aulas marca a semana. Um evento indiscutivelmente importante e que justifica a aparição pública dos governantes, aproveitando a oportunidade para fazer charme e tecer considerandos públicos sobre a excelência das suas políticas, jamais desperdiçando qualquer oportunidade. Tudo normal, seja qual for o Governo.
No entanto, infelizmente para a população dos alunos, continuam a existir cerca de 60 mil sem professores, um número sempre demasiado para qualquer Governo, em particular este que está há longos 7 anos no poder e domina a máquina ministerial como poucos. A realidade da falta de professores é um problema incontornável e, como até já o escrevi há uns tempos, as razões são múltiplas para a falta de atratividade da profissão.
A classe está envelhecida, cerca de 1600 professores e educadores de infância já se reformaram desde o início do ano e mais uns 600 são esperados de ser reformados até dezembro. Isto era mais que previsível desde há décadas, pelo que deveria ter havido um trabalho estruturante para planear as substituições, sobretudo para tornar a profissão aliciante e atrativa. Mas parece que pouco se fez, dados os resultados atingidos.
Conforme reportagem muito oportuna que vi na SIC, há um claro desgaste entre os que estão há longos anos numa carreira com escassas motivações a não ser o próprio gosto de ensinar. Muitos anseiam pela reforma, as aulas serão obviamente um sacrifício depois de tantos anos, com escassas recompensas, nomeadamente materiais. A ascensão na carreira é uma miríade, os números clausus de promoção no escalão desincentivam os bons a ser melhores e, só a escassez de alternativas os faz continuar como que agrilhoados a um destino. Vemos gente nova a falar do ensino de forma altamente desmotivada, ouvimos jovens a falar de carreiras futuras e concluímos que ser professor não é objetivo de carreira para uma esmagadora maioria.
Tenho pena que assim seja. Sou filho de uma professora que lecionou 35 anos e, eu mesmo, dei aulas em curtos períodos da minha vida, exatamente por considerar que pese embora o gosto que sempre tive por ensinar e posteriormente desenvolvi na minha profissão durante quase 40 anos, formatando profissionais a serem melhores, o ensino não me motivava o suficiente. Décadas depois, ouço os jovens de hoje e revejo-me neles, nas suas dificuldades, nas suas ânsias de construir uma vida profissional, sabendo que o ensino é apenas uma estação (talvez até um apeadeiro) na vida deles.
A reportagem abrange quer os que estão a lecionar quer a visão das escolas, ansiosas por ter autonomia de contratação, perante as perspetivas e escassez de professores. Entretanto, ao que li, por forma a facilitar o recrutamento, legislou-se o que pode ser mais uma porta aberta para a já visível deterioração da qualidade do ensino: permite-se o aceso a quem anteriormente não tinha essa possibilidade por falta de habilitações, ou seja, a partir de agora, os licenciados pós-Bolonha poderão dar aulas.
O tempo dirá sobre o impacto desta medida no ensino, mas nada augura de bom. Claro que conheci gente com enorme valia, com ou sem licenciatura. Não constituindo um certificado de competência, a realidade é que as habilitações literárias serão sempre um quesito de qualquer profissão e, por maioria de razão, é absolutamente compreensível que assim também o seja para o acesso a professor (tal como deveria ser um exame às suas qualidades pedagógicas ou potencial para as possuir). Mas, quando o ensino se vem degradando e, como é vox populi, se facilitam as passagens de ano, quer se estude ou não, a prazo isto tem de ter consequências, também para a qualidade dos licenciados.
Se a isto somarmos o que já se ouviu da boca do ministro João Costa, ou seja, de que os exames só fazem sentido na admissão à universidade, por muito que as estatísticas se embelezem, cavamos a prazo a qualidade média da formação dos alunos e, pior, acentuamos as divergências sociais nas carreiras futuras entre quem pode ter filhos/as em escolas/universidade com exigências reconhecidas de qualidade (naturalmente mais caras) e os mais desfavorecidos socialmente que seguramente almejariam ter essa possibilidade, mas que são direcionados para um ensino facilitista.
A qualidade do ensino não é uma questão de direita ou esquerda: é uma exigência social! Seja quem for que nos governe tem de ter políticas estruturantes encorajadoras da elevação da sua qualidade. Assim, faço um pedido ao Presidente Marcelo, toda uma vida de ilustre Professor Universitário e reconhecido defensor da excelência no ensino: ao menos neste tema que sei que lhe é tão caro, deixe-se lá de apoiar o Governo como sempre tem feito incondicionalmente (algumas vezes incompreensivelmente), sobretudo nos últimos tempos, e seja o primeiro garante da defesa da qualidade do ensino, ferramenta essencial para um melhor futuro.
P.S. – Todos sabemos que a vida dá muitas voltas, mas ficamos estupefactos ao ver António Costa, sobre a TAP a defender a nacionalização (desde 2015 e concluída em 2020) e o seu contrário (a privatização) em 2022, sempre com ponderosos argumentos. A nacionalização, pela importância estratégica para Portugal e a privatização, como solução para a sua viabilização, depois dos portugueses lá terem injetado, dos nossos impostos, a quantia de Eur 3,2 MM, em consonância com o Plano de Reestruturação aprovado pela Comissão Europeia. Estas súbitas inflexões de opinião suscitam diversas questões: (i) qual o valor acrescentado de se ter nacionalizado a TAP em 2020?; (ii) em que mais se irá contraditar e quais os custos inerentes?