Um dia aziago

Apesar de não ouvir uma palavra de apoio da China sobre a Ucrânia, comprometeu-se a apoiar incondicionalmente a China na questão de Taiwan. Putin foi patético, meteu dó – se é possível ter-se dó de um homem tão cruel. Nunca o tinha visto assim: obediente, justificativo, tendo estampada no rosto a humilhação a que fora…

O 15 de setembro foi o dia mais negro de Putin desde o início da invasão da Ucrânia.

Podia ter sido um dia em cheio – visto que tinha um encontro marcado com o Presidente chinês, Xi Jinping, o seu grande aliado.

Mas este apresentou-se de rosto fechado – e não fez qualquer alusão pública à guerra na Ucrânia.

Há silêncios fatais, e este foi um deles.

Já Putin sentiu necessidade de se explicar.

Disse que responderia às «preocupações» que Pequim tem demonstrado nesta matéria – revelando, assim, o que ninguém ainda sabia: que a China lhe tem colocado questões sobre a guerra.

Considerou que a posição chinesa tem sido «equilibrada», o que significa que não tem sido de apoio incondicional, como desejaria.

E, adiantou que a Rússia e a China acordaram em contribuir para a paz, «respeitando os princípios da ONU».

E esta afirmação foi espantosa!

Um Presidente que invadiu e arrasou outro país, que violou grosseiramente a carta das Nações Unidas, que enviou um míssil sobre Kiev quando o secretário-geral da ONU lá estava, vem dizer-se empenhado em respeitar os princípios desta organização.

Como deve ter custado a Putin dizer isto.

Como deve ter-se sentido humilhado.

Mas foi obrigado a dizê-lo depois de Xi Jinping ter afirmado, preto no branco, que o objetivo da China, como «grande potência», é contribuir para a estabilidade, a paz e a segurança mundiais.

Xi Jinping colocou o Presidente russo numa posição subalterna, de vassalo. E colocou a Rússia numa situação de pequena potência, de satélite.

Putin agachou-se perante Jinping.

Apesar de não ouvir uma palavra de apoio da China sobre a Ucrânia, comprometeu-se a apoiar incondicionalmente a China na questão de Taiwan.

Putin foi patético, meteu dó – se é possível ter-se dó de um homem tão cruel.

Nunca o tinha visto assim: obediente, justificativo, tendo estampada no rosto a humilhação a que fora sujeito.

Mas o 15 de setembro não foi um dia aziago para Putin apenas por isto, o que já não seria pouco.

Ao mesmo tempo que Xi Jinping o vexava, a presidente da comissão europeia, Ursula von der Leyen, visitava Kiev e garantia enfaticamente a Zelensky, refeito de um acidente de viação ocorrido no dia anterior, que a UE apoiaria a Ucrânia quanto tempo fosse preciso.

Ou seja: apesar dos problemas que o apoio está a causar na Europa, e que Putin tem procurado explorar, Zelensky pode continuar a contar com a solidariedade incondicional da União Europeia.

Mas haveria ainda mais nesse dia.

O Papa Francisco, no regresso da sua viagem ao Cazaquistão, fazia a surpreendente declaração de que todos os povos têm direito a defender-se, que o amor à Pátria é um sentimento nobre e que a entrega de armas aos povos para se defenderem é um ato legítimo.

Pela primeira vez, o Papa deixava-se de declarações generalistas de condenação da guerra e apoiava abertamente a luta dos ucranianos contra a agressão russa.

E ainda não era tudo.

Muito mais a sul, em Luanda, no discurso de posse como Presidente de Angola, João Lourenço fazia um apelo inesperado à Rússia para parar a guerra.

Sabendo-se as velhas relações entre o MPLA e Moscovo, a declaração não deixou de ser inesperada e de ter significado.

Finalmente, para tudo ser horrível para Putin neste dia, Kiev anunciava a recuperação de 8 mil Km2 aos russos na região de Kharkiv e dava conta da descoberta de uma nova vala comum em Izium.

O que mais espanta nesta história é Putin ter invadido a Ucrânia sem, aparentemente, ter assegurado antes o apoio claro da China.

Ou obteve esse apoio dizendo-lhe, falsamente, que a operação seria rápida e limpa – e agora a China está a cobrar-lhe as mentiras.

Até porque seria sempre muito difícil à China apoiar uma selvajaria como aquela que os russos estão a levar a cabo na Ucrânia.

De há uns anos para cá, uma das grandes preocupações da China tem sido surgir perante o mundo como um Estado idóneo e responsável.

E a esmagadora maioria das suas exportações é hoje para o Ocidente: cerca de 480 biliões de dólares para os Estados Unidos, 250 biliões para Hong Kong, 150 biliões para o Japão, 100 biliões para a Alemanha, outros tantos para a Coreia do Sul. Ora, para a Rússia, a China exporta menos de 7 biliões de dólares, setenta vezes menos do que para os EUA. Uma ninharia.

A China quer ter um aliado no Ocidente que cause alguma irritação e dores de cabeça à Europa e aos próprios EUA; é para isso que a Rússia lhe serve.

Mas isso tem os seus limites.

Porque os seus grandes parceiros comerciais estão do lado de cá da nova cortina de ferro.

Para agravar as coisas, há muitos milhões de chineses espalhados pelo mundo.

Veja-se a quantidade de lojas chinesas abertas em Portugal; e as chinatowns que se multiplicam por todo o lado: Toronto, Nova Iorque, São Francisco, Londres, Paris.

Ora, a China não quererá que esses seus cidadãos sejam mal vistos, odiados, encarados como intrusos oriundos de um país execrável.

Mas era o que aconteceria se a China apoiasse ativamente esta invasão brutal da Ucrânia.

Os chineses começariam em toda a parte a ser mal vistos e as suas lojas seriam atacadas ou deixadas ao abandono.

Depois do encontro com Xi Jinping, Putin ficou mais só.

A China era o seu grande aliado, aquele em que depositava mais esperanças, e Jinping disse-lhe simplesmente: «Basta!».

E esta falta de apoio da China é decisiva, porque condicionará a posição de muitos outros estados.

Julgo que o 15 de setembro foi um ponto de viragem não só na guerra como na própria política mundial.

A partir de agora, Putin só procurará encontrar uma maneira de sair da Ucrânia com dignidade.

E internamente ficou em muito maus lençóis, como se adivinhava no seu rosto após o encontro com o líder chinês.

E que os acontecimentos posteriores vieram confirmar.