‘Cenário é grave e deve ser encarado com seriedade’

Dados do Eurostat mostram um país pobre, só atrás da Roménia no que diz respeito a ‘recibos verdes’: mais de 30% dos trabalhadores independentes estão em risco de pobreza.

Os mais recentes dados do Eurostat são duros para Portugal: no ano passado, quase um quarto dos trabalhadores independentes da União Europeia estavam em risco de pobreza ou exclusão social. Em Portugal, são um terço. E só a Roménia aparece pior na fotografia. «Ao nível nacional, em 2021, a Roménia, Portugal e a Estónia registaram a proporção mais elevada de trabalhadores por conta própria em risco de pobreza e exclusão social (70,8%, 32,4% e 32,2%)», revelou o gabinete de estatística europeu, expondo a precariedade do trabalho a recibos verdes e sem contrato no país. Na média dos países da UE, a situação também se degradou, mas não tanto. De acordo com os dados divulgados, comparativamente com 2020 e analisando as categorias ‘desempregado’, ‘reformado’, ‘empregado’ e ‘trabalhador independente’, esta última foi a única que registou uma deterioração da situação de pobreza, passando de 22,6% para 23,6%. Em contraste, a situação de pobreza dos trabalhadores por conta própria melhorou em 11 países, com a Irlanda e a Hungria a registarem a maior diminuição dessas taxas de 2020 a 2021 (-3,2 e -3,7 pontos percentuais, respetivamente).

Para Henrique Tomé, analista da XTB, estes dados «refletem o estado de precariedade do mercado de trabalho em Portugal», diz, explicando que, para as empresas, «empregar novos trabalhadores a contrato torna-se demasiado dispendioso, sobretudo para as PMEs, influenciando muitas empresas a recorrer aos recibos verdes como alternativa». E acrescenta: «Contudo, para o trabalhador, as condições não são das melhores pois fica demasiado exposto às condições económicas que vigoram e com menos apoios em caso de despedimento». 

Por isso, o analista ouvido pelo Nascer do SOL não tem dúvidas: «Este cenário é grave e deverá ser encarado com seriedade, pois se as condições económicas se deteriorarem, o mercado de trabalho será naturalmente prejudicado e poderá criar uma situação delicada».

Para mudar esta tendência, podem ser feitas várias coisas, defende Henrique Tomé. «É preciso que sejam criadas condições para proteger os trabalhadores independentes, mas também apoios às empresas para que estas se sintam motivadas em contratar novos trabalhadores a contrato – uma alternativa seria reduzir os custos que as empresas têm de assegurar».

É preciso, no entanto, ter em conta que estes dados do Eurostat dizem respeito a 2021. Ainda assim, não são muito animadores até porque já mostram um agravamento face a 2020. Como será o balanço deste ano e o próximo? «Possivelmente, os próximos anos serão certamente desafiantes para todas as economias dado que as projeções económicas apontam para um possível abrandamento da atividade económica e que pode provocar períodos de recessão profunda às economias mais vulneráveis, como é o caso de Portugal», responde o analista da XTB.

O risco? Portugal criar raízes na na cauda da Europa. «Este possível cenário agrava ainda mais a diferença entre as maiores economias e as mais fragilizadas», alerta Henrique Tomé, acrescentando que, apesar «das projeções iniciais da Comissão Europeia onde refere que Portugal seria o país da Zona Euro com maior taxa de crescimento do PIB, a verdade é que o país continua a crescer a um ritmo muito modesto e o ritmo de crescimento na verdade até tem vindo a abrandar ao longo dos últimos anos».

Olhando para o pior cenário, que é o de recessão, «a economia portuguesa deverá ser atingida violentamente, pois a atividade económica continua muito aquém das expectativas e o país tem uma dívida muito elevada face ao que produz (PIB), sendo que neste ponto ficou ainda mais agravado com a questão da pandemia», avisa o analista.

Questionado sobre que consequências estes dados do Eurostat podem trazer, o especialista não tem dúvidas: «Podemos vir a assistir novamente a períodos de maior austeridade no país, se o cenário de recessão se materializar em Portugal» mas, para já, «ainda nem todas as red flags foram levantadas, mas ao mesmo tempo não podemos excluir essa possibilidade».

É certo, continua Henrique Tomé, que a economia portuguesa «está bastante endividada e com a taxa de inflação a permanecer elevada, a atividade económica deverá ser afetada e poderá provocar períodos de contração a nível económico (recessão)».

E é ainda preciso ter em conta que estes dados do gabinete de estatística europeu sobre pobreza não são uma notícia inesperada. O Eurostat já tinha avisado que a pandemia fez com que Portugal subisse de 13.º para 8.º na lista de países europeus com maior risco de pobreza ou exclusão social.

É claro, para o analista, que o país «sofre de um grande problema – não dá a devida atenção ao setor privado que é aquele que cria riqueza». Mas não é só isso.  «Não cria as condições necessárias para o crescimento do privado e promove a precariedade em vários setores, levando a que muitos trabalhadores muito bem qualificados optem por emigrar».

Por outro lado, defende, «a elevada carga fiscal também afasta o investimento de muitas empresas e não promove em nada o crescimento do tecido empresarial». Estes são, no seu entender, «dois fatores negligenciados ao longo dos últimos anos, mas que são essenciais para que a economia nacional comece a crescer a um ritmo atrativo».

 

Cada vez mais pobres?

Segundo os dados do Eurostat, em números absolutos, falamos de 2,312 milhões de portugueses em risco de pobreza em 2021, mais 256 mil face a 2020. É preciso recuar a 2017 para encontrar uma taxa superior. Agora oitavo país mais pobre da UE, Portugal regrediu cinco posições no risco de pobreza ou exclusão social face a 2020.

E com o crescimento dos preços dos bens alimentares e energia, a situação tende a piorar. Recentemente, a Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN) Portugal defendeu que as medidas de apoio para aliviar as consequências da inflação, apresentadas pelo Governo, «não são a resposta ideal», ainda que seja «importante» que o Executivo «tenha assumido as suas funções». «Imagino e sinto que esta não é resposta ideal. Nós somos um país pobre e temos de nos saber gerir com as nossas limitações», disse à Lusa o presidente da EAPN Portugal, padre Jardim Moreira.